quinta-feira, 12 de maio de 2022

Sobre o livro «Hot» de André Ruivo. Chili Com Carne, 2022






















O erotismo (e a pornografia) é, desde sempre, a expressão única da humanidade do que é, por natureza, o lugar mais privado (para não dizer íntimo) do homem e da mulher. Esse lugar abstracto que se constrói quando está a sós com o seu corpo ou quando está acompanhado e explora o corpo de outrem com o seu próprio corpo. Uma expressão provocatória ou de contravenção face à natureza desses actos, digamos, dérmicos. Uma rebelião contra ainda alguma sociedade moral e religiosa. Um modo claro, literário ou gráfico, de extravasar, prolongar, comungar, tornar perene, o prazer sexual que, se é constituído por preliminares, também, para males dos seus pecados, incorpora o irrevogável fim!

Mas representar a pele dos amantes em tom cor-de-rosa bebé e o seu corpo entre amáveis contornos rechonchudos, retira absolutamente a carga erótica à pulsão sexual do grafismo. É esta a maior provocação que André Ruivo faz não ao erotismo mas ao mais alto estatuto que a sociedade ocidental confere hoje à banalização da sua representação.

Esqueçamos os lençóis de cetim ou os colchões de água. Esqueçam o mestre Vilhena. Nada disso! André Ruivo deposita a sua incontornável tendência para a amabilidade das personagens nestes desenhos, acarinhando-as em lençóis ternurentos e mesmo muito cómicos.

Tal como em Quino, Sempé ou Luís Afonso, as figuras de André Ruivo fazem parte de um bairro onde as criaturas, cerimoniosamente, dirão sempre “Olá! Boa noite! Como está?» antes de praticarem qualquer acto, sexual ou de outra natureza.


jef, maio 2022

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