domingo, 22 de janeiro de 2023

Sobre o disco «Here It Is: A Tribute to Leonard Cohen», Blue Note Records, 2022


 








Leonard Cohen é o autor de uma das canções espirituais-não-espirituais mais populares que hoje em dia é cantada em cerimónias-sacramento mais ou menos religiosas por todo o mundo: «Hallelujah», saída no álbum “Various Positions” de 1984. Aqui, a versão é circunspecta e reverencial feita por Sarah McLachlan, uma cópia daquela outra, maravilhosa, de k.d. Lang. Contudo, é muito difícil contornar o mundo de Leonard Cohen, sem cumprir essa reverência emocional, sem atender a esse lado espectral interior-exterior do autor. Quem ouve também exige essa silenciosa consciência de que nesse universo não se pode tocar.

É o caso deste disco-homenagem com 12 canções de Leonard Cohen que a Blue Note nos propõe e que nós agradecemos. O Jazz fica numa calote inferior a esse tributo dando-lhe um sustento firme mas que ao ouvido menos atento parecerá morno ou até anódino. Mas não é. (O respeitinho é muito bonito!) A fazer o plano musical convergente está um quarteto / quinteto de base formado pela guitarra de Bill Frisell; o saxofone alto de Immanuel Wilkins; o piano de Kevin Hays; o contrabaixo de Scott Colley e a bateria de Nate Smith. Atente-se às instrumentais «Avalanche» (“Songs of Love and Hate” 1971) com arranjo de Immanuel Wilkins e o derradeiro «Bird in a Wire» (“Songs from a Room”, 1969) com arranjo de Bill Frisell.

Creio que a mais próxima e a mais distante será a versão-cópia de Iggy Pop de um dos hinos tardios que dá nome ao derradeiro e negro álbum “You Want It Darker” (2016). Iggy Pop encontra aqui a canção-alma gémea. Assim, acontece também com a canção «Here It Is» (“Ten New Songs” 2001) acarinhada pelo timbre denso e sombrio de Peter Gabriel.

O álbum abre sem grande espanto mas com a harmonia vocal de Norah Jones para «Steer Your Way» (do citado álbum final de 2016) quase terminando com «Famous Blue Raincoat» (1971), uma bela versão folk-quase-country na voz sentida e quebrada de Nathaniel Rareliff.

Ficam ainda na colecção duas gerações de vozes negras, a de Gregory Porter («Suzanne» 1967) e de Mavis Staples («If It Be Your Will» 1984), a elevação jazz-gospel para a espiritualidade de Leonard Cohen.

Igualmente, é bom sentir como as vozes de Luciana Souza («Hey, That’s No Way to Say Goodbye» 1967), de James Taylor («Come Back to You» 1984) e de David Gray («Seems So Long Ago, Nancy» 1969) também não desvirtuam essa paisagem que o autor criou dentro de mim ao longo de tantas décadas.

Uma paisagem pessoal que começou bastante desfocada quando tinha os meus treze anos e ouvia com insistência na Caparica, no gira-discos da minha irmã mais velha, rodando o disco “Songs of Love and Hate”. Não entendia como alguém poderia gostar de tão longa série de tão enfastiadoras canções. Se aquilo chegavam a ser mesmo canções… Mais tarde apareceu-me nas mãos o LP colectânea «Greatest Hits» (1975), a adolescência crescera e o 25 de Abril dava grande ajuda. Fiquei convencido, encantado, viciado, definitivamente tomado pelo universo Leonard Cohen.

(Nota: Só estranho como o produtor deste álbum não tenha reparado como as primeiríssimas e discretas notas ouvidas logo ao abrir da primeira faixa tanto se assemelham à abertura diáfana do “Windows” que, consta, foram compostas por Brian Eno!)

 

jef, janeiro 2023

 

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