sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sobre o filme «Três Cores: Azul» de Krzysztof Kieslowski, 1993


 

















No início dos anos 90 muito se falou da política das cores na trilogia de Kieslowski. Do significado social e revolucionário do colorido francês; também do âmbito internacionalista europeu face ao alargamento da comunidade económica; do porquê de tais filmes se centrarem na introspecção do individuo perante a sociedade, isolado desta, em conflito com esta.

Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Decorreram três décadas. E agora lembro-me maravilhado de como nos deslumbrou essa Juliette Binoche, lindíssima, mãe quase infanta, frágil e forte, uma Julie desapossada de tudo, do seu passado, dos seus seres, das suas verdades. Liberta de tudo e de si, por assim dizer, à moda de Jean-Paul Sartre. 

Afinal, contudo, a política desvanece-se perante os planos muitos fechados, translúcidos ou transparentes se vistos através dos cristais azuis do candeeiro, das crias glabras da ratazana, das notas musicais correndo sobre a partitura, das nocturnas braçadas aquáticas, dos saltos em elásticos que a mãe (Emmanuelle Riva), ausente-presente, observa na televisão, dos nós dos dedos sacrificiais sangrando sobre o atrito do muro.

«Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine» escreve assim Paulo aos Coríntios (1 Cor 13), assim é cantado nesse Concerto para a Integração da Europa, cuja autoria fica sempre misteriosamente oculta.

Um dos filmes mais belos sobre o luto, sobre a bondade intrínseca e inamovível que o ser humano transporta dentro dele. Também sobre a resistência do ser humano à dor, sobre o eterno retorno ao amor.

Se a liberdade é supostamente azul, é necessário que a política assuma a sua quota-parte de bondade.


jef, janeiro 2023

«Três Cores: Azul» (Trois couleurs: Bleu) de Krzysztof Kieslowski. Com Juliette Binoche, Benoît Régent, Florence Pernel, Charlotte Véry, Hélène Vincent, Philippe Volter, Claude Duneton, Hugues Quester, Emmanuelle Riva, Florence Vignon, Daniel Martin, Jacek Ostaszewski, Catherine Therouenne, Yann Trégouët, Alain Ollivier, Isabelle Sadoyan, Pierre Forget, Zbigniew Zamachowski, Julie Delpy. Argumento: Krzysztof Kieslowski, Krzysztof Piesiewicz. Produção: Marin Karmitz. Fotografia: Slawomir Idziak. Música: Zbigniew Preisner. Suiça / França, 1993, Cores, 94 min.

 

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