quarta-feira, 8 de março de 2023

Sobre o filme «EO» de Jerzy Skolimowski, 2022

 



É um filme que exacerba a componente estética, tanto no que respeita à imagem (Michal Dymek) como à manipulação sonora (Radoslaw Ochnio), um facto que se sobrepõe à música original (Pawel Mykietyn) – ouvem-se as patinhas das formigas e os morcegos batem as asas como pombos.

No final, o realizador polaco tranquiliza-nos dizendo que os animais não foram maltratados e que o filme é feito sob a égide do seu amor pelos animais. Nem os seis lindos burrinhos que fazem de EO, nem os dromedários, o camelo do circo. Nem os cavalos traficados para carne. (Ai «Os Inadaptados» de John Huston, 1961!) Nem o lobo atingido pela calada da noite, nem os canídeos abatidos ilegalmente para extracção das peles. (Confesso que sobre este aspecto já vinha traumatizado de «Os Espíritos de Inisherin» – Martin McDonagh, 2022).

Por outro lado, diz ainda o realizador, que se baseou num filme do mago Robert Bresson, o realizador de Deus e da culpa, do herói e da redenção – «Peregrinação Exemplar» (Au Hasard Balthazar), 1966. Não conheço.

«EO» divide-se por episódios sequenciais e aventurosos, uns dramáticos outros de leve toada humorística, seguindo a dita e a desdita do burrinho EO no encontro com bons e maus humanos. A câmara e a captação do som sugerem ser o que os olhos negros captam, ou como as longas orelhas felpudas do animal apreendem a realidade. Sugerem ainda que o amor da jovem circense Kasandra por EO é que que fica na memória deste e, por vezes, o faz ultrapassar as baias que o prendem. Surgem episódios como fractais absctractos, surrealistas ou fantasiosos. Ternos ou assustadores. Falando das diversas formas de uso e maus tratos aos animais. Até o asinino chegar ao palacete italiano da condessa (Isabelle Huppert) onde a história centra-se na relação desta com o seu filho ou enteado, religioso e fugitivo.

Chegando aí, quase no fim deste curto filme, apeteceu-me rever «O Fantasma da Liberdade» (Luis Buñuel, 1974), também com muitos bichos e muitos padres.

Quando cheguei a casa fui buscar o livro «Platero e Eu» de Juan Ramón Jiménez!

Interessante, sim… Angustiante, certamente… Pretensioso, talvez... Seria necessário tanto barulho, tantas imagens, tantas histórias? 

Sobre o ciclo natural dos animais e dos homens recordo um filme único: «As Quatro Voltas» de Michelangelo Frammartino (2010).


jef, março 2023

«EO» de Jerzy Skolimowski. Com Sandra Drzymalska, Lorenzo Zurzolo, Mateusz Kosciukiewicz, Isabelle Huppert, Tomasz Organek, Lolita Chammah, Anna Rokita, Michal Przybyslawski. Argumento e Produção: Ewa Piaskowska, Jerzy Skolimowski. Fotografia: Michal Dymek. Música: Pawel Mykietyn. Som: Radoslaw Ochnio. Polónia, Itália, 2022, Cores, 88 min.

 

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