sábado, 18 de março de 2023

Sobre o livro «O Plantador de Abóboras» de Luís Cardoso. Abysmo, 2020

 

 

O livro é apresentado pelo autor como uma “sonata para uma neblina” com três andamentos. E quem o lê apercebe-se que contém uma certa alegoria musical que deve ser cantada. Ou contada. Alguém que chega e retém nas suas mãos as mãos de quem canta (ou conta) esta partitura sobre neblinas, guerras e fronteiras. Três gerações, duas, três ou mais guerras, outras tantas revoltas. Quatro continentes, muitas cores de pele, duas repúblicas: a de Manu-mutin, mas primeiro a de Manu-metan, reduzida a cinzas. Um crocodilo, ancestral, que espreita na ribeira, o petróleo que aguarda no fundo do mar. Galo preto Galo branco, lutadores, pomba depenada, pavões pintados. Um ganso dominador Sun Tzu, um feitor com várias caras, Américo Borromeu. Os cafezais e o café «Insulíndia». As abóboras cucurbita que não se plantam antes semeiam. Raimundo Chibanga, depois o comendador Raimundo, seu filho, depois a noiva que conta (ou canta) eternamente, que eternamente espera e repete a mesma pergunta com a resposta no silêncio do olhar do outro. Irmãos extraordinários unidos por Don Quijote e pelo fiel escudeiro Sancho Pança. Enquanto a Tia Benedita ouve na grafonola Doris Day cantar o «Que Sera Sera».

História densa, fatídica, complexa que narra o percurso turbulento e dividido de uma ilha traçada por uma fronteira que não impediu (ou talvez tenha promovido) a confluência de tantas línguas, povos e lutas pela resistência.

Luís Cardoso opta estrategicamente por envolver a aventura em modo de saga familiar no tom épico das grandes narrativas epopeicas que, ouvidas muito antes de serem lidas, repetiam versos e estrofes, por sistema e ritmo, para que os ouvintes, aqui os leitores, apreendam, memorizem e sigam o compasso da sonata. 

E fá-lo muito bem.


jef, março 2023

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