quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Sobre o livro «Crónicas Marcianas» de Ray Bradbury, Cavalo de Ferro 2021 (1950-1977). Tradução de Paulo Tavares.

 

Estas crónicas realistas situam-se entre Janeiro de 2030 e Outubro de 2054. Mas dir-se-ia que foram escritas para serem lidas em Outubro de 2024. Um anacronismo histórico e futurista de que Ray Bradbury é exímio.

Um facto é que tudo começa por um Verão extemporâneo provocado pelo lançamento de um foguetão, no Inverno. Enfim, imaginárias alterações climáticas. Depois vêm os sonhos mais ao menos húmidos, mais ou menos desiludidos, da Senhora K onde alguém, de olhos azuis, canta velhas canções inglesas. Nathaniel York. O planeta das montanhas azuis está prestes a receber a visita de humanos terrestres. Depois chegam o capitão Williams e o capitão John Black. Mais tarde chegam humanos aos milhares, aos milhões. A invasão de Marte aniquila os autóctones, ou deixa uns poucos a pairarem em leves esferas azuis para lá das montanhas. Extermínio ou aculturação ou gentrificação. O planeta seguinte enche-se de homens que fogem da sua humanidade. Podem, agora, do planeta Azul ter uma visão ampla do planeta Verde que deixaram. Porém, este definha com a ameaça de uma guerra nuclear total… Coisas imaginadas!

Enfim, Ray Bradbury apaixonado pelo antigo Egipto e por Edgar Allan Poe assume nestas crónicas a verdadeira condição humana, entre o humor, a tragédia e o eterno esquecimento. E o tempo, aqui, é coisa abastracta, logo sem relógio ou calendário estabelecidos.

Livro maravilhoso e premonitório. Nem o próprio Ray Bradbury imaginaria. Tirem-no da secção “Ficção Científica” e coloquem-no em “Ensaio Histórico e Social”. Uma pérola de profunda ironia, sarcasmo benevolente e ternura pelo bicho-homem, esse que é eternamente irresponsável, eternamente infantil. Mas também potencialmente amorável.

 

jef, setembro 2024

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