Como
solucionar aquilo que surge insolúvel, ou que perdeu a vocação ou a moral?
Pau
Miró é de poucas falas ou de poucas palavras e não precisa delas para colocar
os cinco irmãos na franja da abstracção de um pai que gasta o dinheiro da
lotaria numa guitarra eléctrica e se isola para tocá-la na oficina, de uma mãe fugitiva e refugiada
no jogo, de um irmão cuja memória é muito mais dourada e duradoura
do que a verdade que se esconde na gaveta na oficina. Os cinco irmãos apenas
têm por porto de abrigo uma ilha, uma lavandaria modernizada e personalizada, mas
que está a ser abalroada pela concorrência do franchising de lavar-secar-tirar-dobrar apenas com uma solitária moeda
na mão.
As
cinco crianças brincam e guerreiam, tornam-se adolescentes, crescem, aprendem a agressividade necessária. Tornam-se adultos. Separam-se uns dos outros. Sobrevivem.
O
autor apresenta a conclusão de uma trilogia de fábulas (com «Girafas» e
«Leões») e aqui o espectador entende a não solução de uma geração, talvez a não
salvação das suas almas. «Família não é aquilo de onde viemos, é aquilo para onde vamos.» Contudo, nesta frase está todo o caos e todo o paradoxo, pois eles
já deixaram lá atrás as gerações das girafas e dos leões, mas ainda não chegaram
ao espírito de resistência de manada das presas – os búfalos. Serão apenas
carne para os dentes aguçados do futuro.
Conclui-se
deste modo com a sobriedade da encenação, do som e da iluminação, e a
presença desses cinco actores de primeira e jovem água, um ciclo de peças que
marcarão em 2024 o teatro de uma companhia fundamental e que acabou de perder o
local de residência da sua actividade. É urgente atribuir-se-lhe um local
para a sua sobrevivência!
Nós
precisamos deste teatro para nos compreendermos!
jef, 22 de setembro de 2024
«Búfalos»
Texto: Pau Miró. Tradução: Joana Frazão. Encenação: Pedro Carraca. Com Gonçalo
Norton, Joana Calado, João Estima, Nuno Gonçalo Rodrigues e Rita Rocha Silva.
Cenografia e Figurinos: Rita Lopes Alves. Luz: Pedro Domingos. Som: Rui Rebelo.
Produção: Artistas Unidos / Citemor. 100 minutos.
Black
Box | Centro Cultural de Belém, de 18 a 29 de Setembro de 2024
4ª
a 6ª às 20h00 | 6ª às 21h00 | Dom. às 16h00 e às 17h00
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