segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Sobre a peça «Búfalos» de Pau Miró, Aristas Unidos. Black Box, Centro Cultural de Belém, 2024


 


























Como solucionar aquilo que surge insolúvel, ou que perdeu a vocação ou a moral?

Pau Miró é de poucas falas ou de poucas palavras e não precisa delas para colocar os cinco irmãos na franja da abstracção de um pai que gasta o dinheiro da lotaria numa guitarra eléctrica e se isola para tocá-la na oficina, de uma mãe fugitiva e refugiada no jogo, de um irmão cuja memória é muito mais dourada e duradoura do que a verdade que se esconde na gaveta na oficina. Os cinco irmãos apenas têm por porto de abrigo uma ilha, uma lavandaria modernizada e personalizada, mas que está a ser abalroada pela concorrência do franchising de lavar-secar-tirar-dobrar apenas com uma solitária moeda na mão.

As cinco crianças brincam e guerreiam, tornam-se adolescentes, crescem, aprendem a agressividade necessária. Tornam-se adultos. Separam-se uns dos outros. Sobrevivem.

O autor apresenta a conclusão de uma trilogia de fábulas (com «Girafas» e «Leões») e aqui o espectador entende a não solução de uma geração, talvez a não salvação das suas almas. «Família não é aquilo de onde viemos, é aquilo para onde vamos.» Contudo, nesta frase está todo o caos e todo o paradoxo, pois eles já deixaram lá atrás as gerações das girafas e dos leões, mas ainda não chegaram ao espírito de resistência de manada das presas – os búfalos. Serão apenas carne para os dentes aguçados do futuro.

Conclui-se deste modo com a sobriedade da encenação, do som e da iluminação, e a presença desses cinco actores de primeira e jovem água, um ciclo de peças que marcarão em 2024 o teatro de uma companhia fundamental e que acabou de perder o local de residência da sua actividade. É urgente atribuir-se-lhe um local para a sua sobrevivência!

Nós precisamos deste teatro para nos compreendermos!


jef, setembro 2024

«Búfalos» Texto: Pau Miró. Tradução: Joana Frazão. Encenação: Pedro Carraca. Com Gonçalo Norton, Joana Calado, João Estima, Nuno Gonçalo Rodrigues e Rita Rocha Silva. Cenografia e Figurinos: Rita Lopes Alves. Luz: Pedro Domingos. Som: Rui Rebelo. Produção: Artistas Unidos / Citemor. 100 minutos.

Black Box | Centro Cultural de Belém, de 18 a 29 de Setembro de 2024

4ª a 6ª às 20h00 | 6ª às 21h00 | Dom. às 16h00 e às 17h00

 

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