segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre a leitura de «A Noiva do Tradutor» de João Reis, Companhia das Ilhas, 2015















«As pessoas neutras são as mais perigosas»,
reflecte o Tradutor à mesa do café, pela página 44, olhando para Hermengarda, a poetiza que fala mesmo quando nada tem para dizer e que se maquilha em excesso. O Tradutor não se sente bem. Viu partir um navio em direcção às terras da neve, os passageiros do eléctrico enojam-no, acaba por perder o chapéu. Uma nódoa na gravata, uma laranja no bolso. Sente cheiros nauseabundos, ameaçadores, sulfúricos. A lama, ou melhor, o lodo impede-o de avançar, ou melhor, o Tradutor afoga-se no lodo de uma cidade que apenas dá asilo a animais… A cidade, um jardim zoológico de parasitas, sovinas e energúmenos. A nossa cidade!

João Reis escreve uma novela sobre o mundo literário eterno: Gregor Samsa, Bartleby, Wakefield, Raskolnikov, O Homem Sem Nome de Knut Hamsun... E como João Reis escreve bem! É-me impossível não sorrir com a dicotomia entre os ácidos «diálogos» interiores e os maviosos diálogos «exteriores», unidos por um estranho impropério…

A grande literatura só pode ser infalível se alicerçada, ancorada, acarinhada, pelos seus digníssimos descendentes. Este Tradutor é um deles!

jef, maio 2015

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