«As pessoas neutras são as mais perigosas»,
reflecte o Tradutor à mesa do café, pela página 44, olhando
para Hermengarda, a poetiza que fala mesmo quando nada tem para dizer e que se maquilha
em excesso. O Tradutor não se sente bem. Viu partir um navio em direcção às
terras da neve, os passageiros do eléctrico enojam-no, acaba por perder o
chapéu. Uma nódoa na gravata, uma laranja no bolso. Sente cheiros nauseabundos,
ameaçadores, sulfúricos. A lama, ou melhor, o lodo impede-o de avançar, ou melhor,
o Tradutor afoga-se no lodo de uma cidade que apenas dá asilo a animais… A
cidade, um jardim zoológico de parasitas, sovinas e energúmenos. A nossa
cidade!
João Reis escreve uma novela sobre o mundo literário eterno:
Gregor Samsa, Bartleby, Wakefield, Raskolnikov, O Homem Sem Nome de Knut Hamsun...
E como João Reis escreve bem! É-me impossível não sorrir com a dicotomia entre
os ácidos «diálogos» interiores e os maviosos diálogos «exteriores», unidos por
um estranho impropério…
A grande literatura só pode ser infalível se alicerçada,
ancorada, acarinhada, pelos seus digníssimos descendentes. Este Tradutor é um
deles!
jef, maio 2015
Gostei bastante do livro, foi uma boa surpresa.
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