Pode
discutir-se ad nauseam se o filme faz
parte da lista dos 100, 20 ou 10 melhores filmes de sempre.
A
verdade é que o deslumbramento que provoca no espectador deve provir da sua
reverência estética, da sua beleza absoluta, da intricada incoerência onírica. Irreverência
realista? A vida pode ser extremamente bela mas não é coerente e muitas vezes
nem verosímil é! A guerra vive entre nós, assim como a tragédia e o amor, a
ganância e o encantamento. A traição. Os mortos vivem entre nós, connosco,
falamos com eles. Talvez se revoltem. Talvez de nós se condoam. A solução pode
estar na mais simples e bela peça de cerâmica, no talhe de um kimono executado
em seda pura, na devoção suprema entre um homem e uma mulher.
Porventura,
o nosso remorso se esconda no jardim abandonado que se transforma em sumptuoso
palácio aristocrático, na neblina suave que submerge com medo infantil um lago
povoado de piratas. Afinal, quem não tenha privado com fantasmas que o diga,
quem não os tenha convocado, aos mortos e desparecidos, que o negue.
Aqui,
andamos em permanência na busca da identificação e da sombra de uma mulher.
Quem será ela? Andrómaca, Maria, Eurídice, Penélope, Desdémona, Inês de Castro,
Madalena… A diva, a mártir, a gueixa, a trágica! Aqui a mulher é ser supremo!
Também
entramos na viagem, ou na sua negação… Para quê partir se o que mais desejamos
é regressar ao ponto de partida, como refere João Bènard da Costa?
Em
«Contos da Lua Vaga» entramos, em definitivo, no mundo puro e certo da
narrativa do Universal.
jef,
abril 2017
Aqui os mortos são tocantes (e perturbantes), porque são seres comuns e próximos: são como eram enquanto vivos, daí o choque ao perceber-se que não são seres vivos, mas ilusões (mentais?). Os zombies espectaculares do cinema main stream não perturbam, divertem (eventualmente fazem-me torcer na cadeira, com horror à flor da pele, fingido).
ResponderEliminarÉ exactamente a perspectiva de toda a maior narrativa universal, desde a Odisseia e a Ilíada... afinal convive-se efectivamente com os mortos, pelos genes transmitidos, pela memória, pelo afecto deixado. Daí a grandiosidade e a perturbação de os Contos da Lua Vaga. Obrigado António.
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