terça-feira, 17 de outubro de 2017

Sobre o filme «O Sabor da Cereja» de Abbas Kiarostami, 1997



















«O Sabor da Cereja» volta a ser exibido em cópia restaurada 20 anos depois de receber a Palma de Ouro em Cannes. Abbas Kiarostami morreu o ano passado. Este é o mais belo, mais terno, mais irónico, mais humano, mas também mais inconclusivo epitáfio para a vida do realizador iraniano.

Mais belo, porque é impossível não sermos cativados pela sombra do homem que se orienta sobre a avalanche de poeira e pedra que é descarregada na cimenteira. O perfil de Badii (Homayoun Ershadi), enquadrado quase sempre pelo vidro luminoso do jipe, traz à memória qualquer coisa entre o egípcio, o helénico, o bíblico, enfim, o mesopotâmico…

Mais terno, porque nunca sabemos a causa das coisas, a razão do drama, coisa que devolve ao espectador a imaginação de todas as suas próprias memórias trágicas mas com um véu de suavidade apaziguadora sobre as nossas insolvências emocionais.

Mais irónico, pois ser salvo por um taxidermista é um facto único.

Mais humano, pois todo o Irão, todas as etnias, toda a pobreza, toda a questão religiosa, toda a dúvida, toda a avidez da morte como vida por mal viver, está contida a cada episódio… tal como lemos em «A Morte de Ivan Iliitch» de Lev Tolstói…

Mais inconclusivo epitáfio, porque a cena final é uma revelação quase académica, contém uma energia rejuvenescida em jeito de «pseudo-happy-end-deus-ex-machina» aparentemente suspensa entre a realidade e a ficção, entre o futuro que desejamos e o passado que ainda iremos a tempo de reconstruir.

jef, outubro 2017


«O Sabor da Cereja» (Ta'm e guilass) de Abbas Kiarostami. Com Homayoun Ershadi, Abdolhossein Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiari, Safar Ali Moradi, Mir Hossein Noori, Ahmad Ansari, Hamid Masoumi, Elham Imani. Irão, 1995, Cores, 95 min.

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