sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Sobre o filme «Corpo e Alma» de Ildikó Enyedi, 2017















Em tempo, Jorge Mourinha (Público / Ipsilon) escrevia sobre «esculpir a luz» quando referia o prémio recebido recentemente em Lisboa por Vittorio Storaro, o construtor luminoso de filmes como «1900» (Bernardo Bertolucci, 1976), «Apocalypse Now» (Francis Ford Coppola, 1979) ou «Grande Roda» (Woody Allen, 2017).

Em «Corpo e Alma», a estratégia da luz está entregue a Máté Herbai. É muito interessante como a luz que recai sobre as instalações do matadouro, sobre as expressões, o guarda-roupa e as casas de Mária (Alexandra Borbély) e Endre (Géza Morcsányi) quase basta para tornar o filme maior.
A pele intocada de Mária a dizer-nos o que ela não viveu. Os traços vincados sobre o rosto de Endre acusando-o de já não querer viver mais. Aqui os actores são mestres em fazer expressar subliminarmente as personagens no interior do rito arreigado.
As aproximações aos objectos. Os pormenores viciosos que recaem sobre o tampo das mesas, os tabuleiros das refeições, o rigor da memória. Muito interessante mesmo.
Esse truque de fazer uma parábola com personagens simbólicas e de os colocar no meio de uma fábula entre bovídeos e cervídeos. Esse virar de tragédia em comédia romântica, também.

Contudo, lá no fundo, existe qualquer coisa de esquadria simétrica e psicanalítica, de arquitectura rígida, que deixa o filme a um passo de nos emocionar, a um passo do teatro grande. É pena, pois tudo o resto preenche-nos com sinceridade o olhar.

jef, dezembro 2017

«Corpo e Alma» (Teströl és lélekröl) de Ildikó Enyedi. Com Alexandra Borbély, Géza Morcsányi, Réka Tenki, Zoltán Schneider, Ervin Nagy, Itala Békés, Itala Békés, Éva Bata, Pál Mácsai. Fotografia: Máté Herbai. Húngria, 2017, Cores, 116 min.

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