quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Sobre o filme «Ursos Não Há» de Jafar Panahi, 2022




















Só um enorme cineasta se permite realizar um filme tão complexo, com tão poucos recursos e dando ao espectador a sensação de estar a ver um filme tão fácil de entender.

Como um filme fora de um filme.

As cenas iniciais e aquelas com que o filme termina são a prova.

Logo de início, a marcação de cena numa rua comercial onde os vendedores ambulantes, músicos e transeuntes fazem uma espécie de bailado sequencial, mostra-nos que há teatro por ali. A cena é interrompida. Ainda não está bem. Será necessário repetir. Percebemos que Jafar Panahi está a fazer aquele filme à distância e que um casal de perseguidos-exilados discute a possibilidade de fuga com o passaporte falso acabado de chegar. Ela parece ser iraniana, ele estrangeiro, talvez turco.

Jafar Panahi realmente está instalado numa aldeia remota na fronteira entre o Irão e a Turquia e, dali, vai realizando o filme à distância. Nas horas vagas fotografa a vida na aldeia. Uma das fotografias que supostamente foi tirada, porém, retrata algo “ilegítimo” segundo a tradição local. Ele próprio é instado, ali mesmo, a resolver o problema perante um tribunal de aldeia. Também ele se expressa nas duas línguas locais.

Nas cenas finais, o realizador deve igualmente fugir. Apenas a câmara apontada para si enquanto conduz o carro e nos ouvidos o insistente sinal sonoro de que não leva o cinto colocado, parecendo que nada ficou concluído, ou tudo está dramaticamente terminado. Por fim, desliga o motor. Sai dos filmes e do cinema.

É assim que o realizador-realizador Jafar Panahi demonstra, através do realizador-actor Jafar Panahi, como crucial é o acto de filmar (e também o de ver filmes extraordinários). Como o acto de fotografar e de realizar pode ter um papel fundamental no curso do amor, das famílias e das sociedades.

Como é fácil ser estrangeiro em causa e casa próprias.

Romeu e Julieta que o digam.


jef, janeiro 2023

«Ursos Não Há» (Khers nist) de Jafar Panahi. Com Jafar Panahi, Naser Hashemi, Vahid Mobasheri, Bakhtiyar Panjeei, Mina Kavani, Narges Delaram, Reza Heydari, Javad Siyahi, Yousef Soleymani, Amir Davari, Darya Alei. Argumento: Jafar Panahi. Produção: Jafar Panahi, Nader Saeivar. Fotografia: Amin Jafari. Irão, 2022, Cores, 106 min.

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