A
porta entreaberta faz chegar o vento de inverno. Os quadros, antes as telas,
antes as cortinas movimentam-se. São grandes quadros suspensos no topo. Papel kraft impregnado de alcatrão ao qual lhe foi retirado a espessura, a
densidade, o negro, a absorção da claridade e do brilho. Rasuras até ao limite
da luz, diluente, emendas ao negro para atingir os castanhos quase renascentistas, aquele
castanho que apenas faz sentido se o olharmos como dourado. Pinceladas reversas, como
correcções mas sem forma ou credo. Apenas linhas, sombras, prespectivas que
roem o negro do papel original. Do modo inicial. Por vezes, roído até ao osso. É necessário suturá-las carinhosamente com adesivo e agrafos. Fingir que
vem de muito perto para restituir-lhes um novo brilho ao sombrio nocturno.
São
quadros de grandes dimensões, outras nem tanto (120 x 170 cm / 80 x 80 cm), a
movimentarem-se, inflando adquirindo o volume do vento, agradecendo o brilho
reflexo de uma luz que vem da rua, que não lhe é original mas que ali, naquele
segundo, o é em definitivo. Com o relevo líquido que o vento lhe dá. Sem forma
mas com volume, como nós estudámos no liceu. E aquele movimento é o seu relevo, ponto final. Como uma escultura em calcário corroído até ao fim pelo tempo.
Os
castanhos e os negros, os brancos e os dourados. Vindos de muito longe para nos
ensinar como a ruína e o movimento eterno é apenas o renascimento para que estas pinturas rasuradas, a sua luz e o vento nos convocam. Nos
provocam.
jef,
15 de março 2025
«De Muito Longe» de Margarida Jardim. Galeria Monumental. Lisboa.
15 de Março a 12 de Abril de 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário