Pardal, poeta, pai, parede, cal. Em «Ascendentes»,
João Paulo Esteves da Silva navega num mar híbrido entre a memória de uma rua
perdida para sempre, a reconquista de uma geografia já alcançada e o voo do pardal
sobre o caroço de uma cereja.
A cal como se a luz fosse um objecto mineral,
refractável, observável mesmo que faça contraluz às penas de um pavão um pouco
abaixo de um telhado.
O pai, essa luz distante, os olhos quase fechados, essa luz menos refractada apesar de eterna, confundido na parede as manchas em rebanho
por pedras malhadas de granito.
Na Mouraria, um bêbado, de nuca na parede, recitando
ladainhas em chinês, exigindo – Qualquer poeta apenas quer ser lido!
Os pardais, a gaivota que viaja sobre a careca do fotógrafo, o falcão a vigiar a azáfama das andorinhas. Talvez o melro. Pombos torcazes. A lontra do aquário Vasco da Gama, cenouras selvagens e gatos.
Depois, as orelhas de Mozart, o espelho de água de Lewis
Carroll, o casarão de Kafka e a porta fechada depois do The Lamb Lies Down on
Broadway.
Em «Ascendentes», o poeta transforma a ausência em facto,
a solidão em história e substantivo o mais poético adjectivo, fazendo-o desaparecer.
Jef, março 2025
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