quinta-feira, 8 de maio de 2025

Sobre o filme «Carta de Amor» de Kinuyo Tanaka, 1953


 



















Guerra, livros e cartas de amor.

O primeiro filme realizado pela actriz Kinuyo Tanaka. Não sendo possível esquecer os espaços geométricos, restritos, interiores do Japão de Yasujiro Ozu, o filme surge modernista com a exigência cénica de outros espaços, os espaços exteriores. Espaços livres e arborizados, profundidade de campo poético, um modo de colocar a intimidade do amor e da amizade sob o foco amplo do ambiente público, mesmo que esse cenário aponte para a solidão e indique a paixão reprimida, o desejo adiado, a culpa intrínseca.

A guerra terminara, o Japão perdera, a América ocupara e impusera um ritmo e um estilo de vida, para além de soldados famintos de companhia. O emprego escasseava, o dinheiro fugia mas os produtos americanos eram cobiçados: os tais soldados com dólares e modernas revistas.

Dois irmãos partilham uma casa. O melancólico Reikichi (Masayuki Mori), repatriado de guerra, faz traduções encomendadas pelo irmão Hiroshi (Juzo Dozo), um fura-vidas que compra e vende livros e não pára até conseguir um quiosque para estabelecer o seu próprio negócio. Não compreende por que é que o irmão nunca sai de casa. Este guarda no bolso uma velha carta de amor, recebida durante a mobilização e, na carteira, uma antiga fotografia de quem a enviara.

Reikichi, entre a multidão que enche as ruas e os comboios de Tóquio, procura insistente alguém. Contudo, esse alguém não surge mas nessa busca acaba por encontrar um velho amigo de infância Naoto (Jukichi Uno) que lhe propõe um estranho emprego: escrever cartas de amor em inglês aos soldados americanos que partem, pedindo-lhes dinheiro para aquelas que eles deixaram no Japão.

Entre aquelas que encomendam as cartas, surge uma voz que conta uma história que parece ser diferente, uma voz de alguém que Reikichi reconhece mas que não chega a ver de quem é.

(Ela é Michiko, a actriz Yoshiko Kuga.)

Esta é uma história sobre a condição feminina e as cicatrizes incuráveis que a guerra deixa na cultura e na vida de uma cidade. A história de uma magnífica amizade, de um amor indissolúvel. A definição da dignidade feminina, do remorso e do eterno e exigido perdão.

Se o genérico inicial mostra o deslumbramento de uma pintura fugaz sobre o papel e a escrita japonesa, as cenas finais traçam de modo peremptório a superioridade cinematográfica de Kinuyo Tanaka.


jef, março 2025

«Carta de Amor» (Koibumi) de Kinuyo Tanaka. Com Masayuki Mori, Yoshiko Kuga, Jukichi Uno, Juzo Dozo, Chieko Seki, Shizue Natsukawa, Kyoko Anzai, Yumi Takano, Kikuko Hanaoka, Harumi Kajima, Ichiro Kodama, Ryuzo Oka, Toshikazu Hara, Sayoko Ono, Chiyoko Kuni, Akiko Kamishiro, Naoko Kubo, Sanae Mitsuoka, Yôko Mihara, Yôko Fujikawa, Junko Mizuho, Teru Harumi. Argumento: Keisuke Kinoshita segundo o romance de Fumio Niwa. Produção: Ichiro Nagashima. Fotografia: Hiroshi Suzuki. Música: Ichiro Saito. Japão, 1953, P/B, 94 min.

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