terça-feira, 21 de outubro de 2025

Sobre a peça «Arte» de Yasmina Reza. Teatro Maria Matos, 2025.


 





















Fui à procura da história deste texto representado em Portugal.

Entre 1998 e 2003, esteve em cena no Teatro Villaret. António Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme levaram milhares de espectadores ao teatro para assistir a uma peça sobre mais profunda natureza humana: o poder, a submissão, a ostentação, o ciúme e a inveja.

Em 2016, a peça regressou com outros actores: Vítor Norte, João Lagarto e Adriano Luz. Uma comédia que parece ser de riso fácil transforma-se depois numa tragédia de riso muito amarelo quase negro. Há uma altura em que a amizade é posta em causa por tudo o que, por cerimónia ou despeito, vai sendo silenciado ao longo dos anos.

Surge agora «Arte» com a encenação de António Pires. Um cenário eficaz (F.Ribeiro) onde o quadro branco do artista conceptual Antrios, que custou uma pipa de massa é exposto ao centro. Sérgio (Rui Melo) naturalmente orgulhoso pela sua compra extravagante exibe a peça perante o incrédulo Marco (Nuno Lopes) em cuja casa, ao lado direito, é exposto uma singela paisagem alentejana em modo naturalista-flamengo. Marco ri, num desaforo quase histérico, perante tal perda de dinheiro. Marco e Sérgio digladiam-se na presunção, guerreiros em combate. Contudo, precisam de assistência que faça de escape e aplauso. Chega então Ivo (Cristóvão Campos), humilde funcionário de uma papelaria de família, solitário e aparentemente de fraca personalidade preparando-se para um casamento desastroso. Tem na parede de casa um quadro sem qualquer valor, aparentemente em modo abstracto, pintado por seu pai. Ivo é a peça-espelho-chave para que a luta de poder-sedução-humilhação tenha um fim realmente dramático.

Cristóvão Campos é o rei da festa teatral por ter o papel mais complexo, mais diferenciado, com uma evolução perfeita ao longo da história da sua personagem que vai sendo contada aos poucos. É uma espécie de compère ou coro que faz de contraponto humano às duas figuras inabaláveis e em confronto, quase heróis quase palhaços, Nuno Lopes e Rui Melo.

É extraordinário que esta tragédia-comédia seja o eterno êxito, novamente com salas esgotadas (e sem quaisquer descontos para mais novos ou velhos - a produtora Força de Produção, que ocupa agora o ex-teatro municipal, tem essa estranha política…).

É extraordinariamente saudável que a Arte (e os teatros) agora e ainda estejam repletos de espectadores e que estes riam de coisas tão sérias.


jef, Maria Matos, 17 de Outubro de 2025

«Arte» de Yasmina Reza. Encenação: António Pires. Tradução: Ana Sampaio.  Cenário: F.Ribeiro. Banda Sonora: Carincur. Figurinos: Dino Alves. Desenho de Luz: Rui Seabra. Assistente de encenação: Rui Lopes. Com Cristóvão Campos (Ivo), Nuno Lopes (Marco) e Rui Melo (Sérgio). Produção: Força de Produção. Teatro Maria Matos. Duração: 2h00. 

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