Fui à procura da história deste texto representado em
Portugal.
Entre 1998 e 2003, esteve em cena no Teatro Villaret. António
Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme levaram milhares de espectadores ao teatro
para assistir a uma peça sobre mais profunda natureza humana: o poder, a
submissão, a ostentação, o ciúme e a inveja.
Em 2016, a peça regressou com outros actores: Vítor Norte,
João Lagarto e Adriano Luz. Uma comédia que parece ser de riso fácil transforma-se
depois numa tragédia de riso muito amarelo quase negro. Há uma altura em que a amizade é
posta em causa por tudo o que, por cerimónia ou despeito, vai sendo silenciado ao longo dos anos.
Surge agora «Arte» com a encenação de António Pires. Um
cenário eficaz (F.Ribeiro) onde o quadro branco do artista conceptual Antrios,
que custou uma pipa de massa é exposto ao centro. Sérgio (Rui Melo)
naturalmente orgulhoso pela sua compra extravagante exibe a peça perante o incrédulo Marco (Nuno Lopes) em
cuja casa, ao lado direito, é exposto uma singela paisagem alentejana em modo
naturalista-flamengo. Marco ri, num desaforo quase histérico, perante tal perda
de dinheiro. Marco e Sérgio digladiam-se na presunção, guerreiros em combate.
Contudo, precisam de assistência que faça de escape e aplauso. Chega então Ivo (Cristóvão
Campos), humilde funcionário de uma papelaria de família, solitário e aparentemente
de fraca personalidade preparando-se para um casamento desastroso. Tem na
parede de casa um quadro sem qualquer valor, aparentemente em modo abstracto, pintado
por seu pai. Ivo é a peça-espelho-chave para que a luta de
poder-sedução-humilhação tenha um fim realmente dramático.
Cristóvão Campos é o rei da festa teatral por ter o papel
mais complexo, mais diferenciado, com uma evolução perfeita ao longo da história da sua personagem que vai sendo contada aos poucos. É uma espécie de compère ou coro que faz
de contraponto humano às duas figuras inabaláveis e em confronto, quase heróis
quase palhaços, Nuno Lopes e Rui Melo.
É extraordinário que esta tragédia-comédia seja o eterno êxito,
novamente com salas esgotadas (e sem quaisquer descontos para mais novos ou
velhos - a produtora Força de Produção, que ocupa agora o ex-teatro municipal,
tem essa estranha política…).
É extraordinariamente saudável que a Arte (e os teatros)
agora e ainda estejam repletos de espectadores e que estes riam de coisas tão
sérias.
jef, Maria Matos, 17 de Outubro de 2025
«Arte» de Yasmina Reza. Encenação: António Pires. Tradução: Ana Sampaio. Cenário: F.Ribeiro. Banda Sonora: Carincur. Figurinos: Dino Alves. Desenho de Luz: Rui Seabra. Assistente de encenação: Rui Lopes. Com Cristóvão Campos (Ivo), Nuno Lopes (Marco) e Rui Melo (Sérgio). Produção: Força de Produção. Teatro Maria Matos. Duração: 2h00.


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