segunda-feira, 11 de abril de 2016

Sobre o filme «A Infância de Ivan» de Andrei Tarkovsky, 1962











A génese e a tese.
Para entender a dimensão bíblica ou homérica do cinema de Andrei Tarkovsky, no sentido de narrativa infinita (diria José Tolentino Mendonça), observemos as personagens encarnadas pelo actor Nikolai Bourliaev. Ivan, em «A Infância de Ivan» 1962 e Boris em «Andrei Rublev» (1966). Na realidade, a mesma figura infante, órfã e adulta, tornando todos os mais velhos que se lhe aproximam espectadores infantis e receptores inseguros da sua dádiva absoluta, sem hipótese de retorno. Digamos «dádiva cristã». Ivan sofre de sonhos, quatro memórias da absoluta perda maternal. Contudo, Ivan transforma-as em direito de ser batedor-espião junto da frente soviética contra o avanço nazi. Ele recusa ir para a academia, deseja continuar a combater na frente de batalha. Apenas exige tal paga. Mais nada quer. Ivan é o Herói, o órfão-guerreiro, protegido entre os oficiais soviéticos, exaltando nestes o lado mais puro e maternal, talvez carente. Também o choro convulsivo e catártico de Boris, a criança-sineiro, nos braços de Andrei Rublev é um simétrico da Pietá.
Em «A Infância de Ivan», Andrei Tarkovky inicia essa génese-tese estética a que podemos chamar luta pela Redenção contra a Violência, o Abandono e o Exílio. 
O perdão de Cristo, o exílio de Ulisses.
Simultaneamente, o nosso próprio exílio, o nosso próprio perdão.

jef, abril 2016


«A Infância de Ivan» (Ivanovo Detsvo) de Andrei Tarkovsky., Valentin Zoubkov, Evgeny Zharikov, Stepan Krylov, Nikolai Grinko, V. Malgavina, Irma Tarkoskaia, Andrei Mikhalkov-Kontchalosvky. 1962, P/B, 95 min.

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