terça-feira, 2 de agosto de 2016

Sobre o livro «A Morte de Ivan Iliitch» de Lev Tolstói, Relógio D’Água 2007. (Tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra. Posfácio: Vladimir Nobokov)















Uma morte comme il faut ou a melhor maneira de chegar a tempo a uma agradável partida de whist.

Sobre a morte de Ivan Iliitch Golovin, nada há a dizer. Ivan Iliitch morreu aos 45 anos.
Sobre a vida do protagonista, o caso é mais complicado. Tolstói refere no início do segundo capítulo: «A história acabada da vida de Ivan Iliitch era das mais simples, vulgares e terríveis.» Nobokov acrescenta no posfácio: «Ivan viveu uma vida má e visto que uma vida má é apenas a morte da vida, este viveu uma morte viva.»

Mas sobre que perspectiva poderemos julgar nós a vida? Juiz em causa própria é mau juiz e a faculdade de julgar muda de luz consoante a meteorologia do dia que nasce. Diz o Senhor Kant.

Tolstói é genial. Vai rodando, sondando, perspectivando de todos os cantos da sala e do quarto, os brocados, a mantilha de Praskóvia Fiodorovna que fica presa numa farpa da mesa, o pouf que se amotina contra Piotr Ivánovitch, o reposteiro inexpugnável que, afinal, venceu Ivan Iliich, este que desejava apenas viver a vida de modo agradável, segundo as regras do decoro. Tudo é dado com lógica semântica e social que, apesar de rigorosa, é brutalmente modificada ao longo dos 12 sucintos capítulos. É a vida impossível de julgar, mas sempre julgada, que chega ao ponto de ruptura. Sem conclusão e torturando quem a pretende decidir mas enfastiando todos os demais (excepto talvez a pureza do jovem copeiro Guerássim.)

Para que queremos nós, leitores, então viver? Esta enorme novela de 95 páginas dá-nos todas as respostas consequentes. E por Tolstói nos dar todas elas acabamos por ficar sem nenhuma.

Confuso? Voltemos então ao início do livro, como refere Valério Romão no episódio de «Os Livros» coordenado por Inês Fonseca Santos, RTP 3.

[Apesar de eu saber que comparar é limitar, digam-me lá doutos leitores: não existirá qualquer ligeira correspondência, coisa de inconstância, de existencialismo frustrado, metamorfose circunstancial, de julgamento apressado e distraído dos outros, que resvala igualmente sobre a quitina involuntária de Gregor Samsa?]

jef, agosto 2016

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