sábado, 14 de julho de 2018

Sobre o filme «Dois Homens em Manhattan» de Jean-Pierre Melville, 1959











O melhor desta alta comédia de Jean-Pierre Melville é a presunção do erro, a assunção do que não é exacto, o amor ao truque como modo de adopção da realidade.

Ele, Jean-Pierre Melville é tudo. Realiza, adapta, argumenta, escreve os diálogos, interpreta, uma história policial negra, à americana, com muito jazz, muito álcool, cinzeiros a transbordar de beatas, jornalistas sem escrúpulos, mulheres lindas e suicidas que fazem delegados da ONU perderem-se num véu denso de fumarolas nova-iorquinas, planos nocturnos e cenas literalmente truncadas para parecer ainda mais o teatro simbólico que, na realidade, é.

Aqui está patente a diversão pura de Jean-Pierre Melville que faz de repórter Moreau chamado a investigar o desaparecimento súbito de um diplomata francês. Para isso pede ajuda a Delmas (Pierre Grasset), fotógrafo alcoólico e desenrasca, que tudo descobre, tudo saca à mais bela noite de Nova Iorque.

A figura de Moreau é uma espécie de Fernandel a fazer das personagens de Dashiell Hammett, repleta de reverência pelos símbolos de Nova Iorque mas com a falta de vergonha de quem sabe que os está a deturpar. Uma postura que é suplantada pela benévola e quase crente versão de realizador que deseja regressar ao papel de actor impostor. Como uma partida de um miúdo antes da representação no sarau final de ano lectivo.

Deve ver-se este filme francês no sentido oposto com que, mais tarde, se assistiu à «paixão americana» do alemão Wim Wenders: «O Amigo Americano» (1977), «Hammett» (1978-82) ou «O Estado das Coisas» (1982).

jef, julho 2018

Melville, Jean-Pierre “Dois Homens em Manhattan” (Deux Hommes dans Manhattan). Jean-Pierre Melville, Pierre Grasset, Christiane Eudes, Ginger Hall, Colette Fleury, Monique Hennessy, Glenda Leigh, Jean Darcante, Michèle Bailly, Paula Dehelly. Música: Christian Chevallier, Martial SolalFrança, 1959, P/B, 84 min.

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