sábado, 28 de julho de 2018

Sobre o filme «No Coração da Escuridão» de Paul Schrader, 2017















Ernst Toller (Ethan Hawke) é padre e dirige uma antiga igreja luterana de uma pequena comunidade a norte do estado de Nova Iorque. First Reformed. Perde um filho na guerra do Iraque. Vive de modo asceta. A igreja está prestes a comemorar um importante aniversário mas o órgão está avariado. Faz visitas guiadas a turistas e grupos escolares. Celebra missas mais ou menos desertas. Resolve escrever um diário. Manuscrito num caderno pautado. Diz-nos que vai escrevê-lo por um ano. As letras sucedem-se maiúsculas na pausa crescente da voz-off. Os espectadores vão tendo tempo para tomar consciência de uma tragédia que ainda não foi anunciada. Como uma homilia nefasta antevendo a crueldade futura dos dias presentes. Ernst Toller não se conforma mas sublinha que a vida está permanentemente entre a esperança e o desespero. Tenta dar esperança a um casal de activistas ambientais em desespero de causa: Michael (Philip Ettinger) e Mary (Amanda Seyfried).


O grande Ethan Hawke dá corpo sublime a um personagem em crescente vigília sobre si próprio e sobre um Mundo que não é compreensível, que não está visível apesar de ser o nosso, um universo à beira de um desmoronar colossal mas no interior da vacuidade. Ernst Toller faz parte desse conjunto de personagem-íman, que tudo atrai como tudo repele na angústia de uma crença em permanente dialéctica. E no vago do silêncio. Um personagem difícil de esquecer que torna a causa religiosa na mais iniciática demanda profana pelo sacrifício em prol da verdade.

O realizador Paul Schrader cita Albert Camus ao jornalista Vasco Câmara: «Eu não acredito, eu escolhi acreditar.» E nessa frase está tudo contido: a consciência desesperada de que a esperança pode apenas significar alienação.

«No Coração da Escuridão / First Reformed» recebe o título português mais tolo e inadequado. Se existe filme que torna claro e dá crédito ao caminho da decisão e da eterna dúvida é este.

Talvez o melhor filme do ano.


jef, julho 2018

«No Coração da Escuridão» (First Reformed) de Paul Schrader. Com Amanda Seyfried, Ethan Hawke, Cedric the Entertainer, Philip Ettinger; Victoria Hill. EUA, 2017, Cores, 133 min.



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