É a estética que comanda a cinematografia de Wong Kar Wai e
«2046», o seu resumo, a sua revisão consumada. Um princípio que sustenta o
cruzamento das diversas histórias; a narrativa realizada em linha quebrada, anacronicamente;
as cenas que por vezes se imobilizam, obrigando o olhar do espectador a
deter-se nessas fracções de segundo que sublinham a importância de determinadas
cenas; o som da música que retorna, uma e outra vez, para dar corpo a uma certa
angústia nostálgica que embeleza cada uma das figuras femininas a quem Chow
Mo Wan (Tony Chiu-Wai Leung) não se consegue entregar, deixando no jornalista o
lastro da desistência e nelas, nas belas mulheres, o sopro dilacerante da
desilusão.
«Todas as recordações são
rastos de lágrimas», lê-se em epígrafe.
E o jornalista, tentando
sobreviver economicamente inicia a escrita de um romance de ficção científica
onde as pessoas viajam até 2046 tentando recuperar traços de uma memória
perdida. Contudo, de lá ainda ninguém voltou para contar. Esse mundo futurista
é o Hotel Oriental em Hong Kong, onde ele está instalado. 2046, é um certo
quarto.
Wong Kar Wai filma a proximidade como ninguém, filma como se
a câmara possuísse dedos e ouvidos, entregando os espectadores a essa libidinosa
beleza, a essa estranha e íntima melancolia, feita de solidão e nostalgia. Talvez carência.
jef, janeiro 2021
«2046» de Wong Kar Wai. Com Tony
Chiu-Wai Leung, Ziyi Zhang, Faye Wong, Takuya Kimura, Gong Li, Carina Lau. Argumento: Wong Kar Wai. Fotografia:
Christopher Doyle, Lai Yiu Fai, Kwan Pun Leung. Música: Shigeru Umebayashi. Produção:
Wong Kar Wai, Eric Heumann, Ren Zhonglun, Zhu Yongde, Jet Tone Films. Hong Kong
/ China, 2004, Cores, 129 min.
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