quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Sobre o livro «O Bar da Ressaca» (Bar des Flots Noirs) de Olivier Rolin, Dom Quixote 1989. Tradução de Tereza Coelho.

 



Olivier Rolin é um grande escritor que nunca escreveu um único romance convencional. Também nunca escreveu livros de viagens ou inventou alguma narrativa para a ficção. O que lhe interessa é fixar o lugar da viagem, essa coisa nostálgica e ansiosa que persiste, volátil ou indelével, entre cada partida e cada chegada.

As mulheres surgem como objectos de encanto supremo, quase devoção, como inevitáveis marcas dessa ansiedade. Contudo, esse encanto vem desde o início toldado pela angustiada previsão do breve fim. Foi assim em «Veracruz» (Sextante, 2017), com Dariana, essa cantora cubana encontrada e desencontrada pelas praias do México, o livro em que Olivier Rolin se aproxima mais de uma estrutura novelesca. Em «O Bar da Ressaca», o seu profético, poético, quase alienado segundo romance já assim é.

«Esta ideia de partir, fui eu que a tive, evidentemente. Porquê? Não sei bem. Eu prolongo a ilusão do amor com a da viagem: tenho a impressão de que a comédia será mais suave, e que desempenharemos os nossos papéis com mais elegância.»

O ex-cônsul francês, personagem de amor e desencanto, se apaixona perdidamente por empregadas de restaurantes e de bares, apurando uma estratégia por ele delineada entre a ilusão e a ironia, reconhecendo que foi feito mais para a sedução do que para o amor.

Zerlina, Leïla, Amália, Esperanza, Adriana, Aurelia.

Buenos Aires, Lisboa, Trieste, Praga, Alexandria, o Rio de la Plata, o Tejo, o Vltava. O Mediterrâneo.

Borges que, no Martinho da Arcada, afinal recebera instruções e textos de Pessoa para duplicar a persona literária, Kafka, Cavafy, Beaudelaire, Céline, Blake, Apollinaire, Beethoven, Schubert, Mozart.

Famous Grouse, Gin Fizz, e todo o álcool.

As Ruínas do Carmo. É aí, sob os arcos estrelados, que o percurso começa e é também aí que ele pede absolvição pela dor da impotência e do remorso que um dia sentirá na solidão do seu gabinete da Avenida Santa Fé, rodeado de fotografias da França magnífica, quando um pai lhe bate à porta a pedir auxílio.

Um romance sobre a o gene da viagem, a possibilidade do amor, a premência da liberdade e a inevitabilidade do sofrimento.

 

Nota. Um livro para quem deseja conhecer o mundo virtualmente real e literário de um mestre que sempre teve em Portugal um lugar de edição e de refúgio. A sua proximidade fá-lo colecionar para a edição portuguesa uma série de referências usadas mas não referenciadas ao longo do texto. Assim, o leitor não perde o ritmo de leitura e fica, no final, com a leitura duplicada.

jef, janeiro 2021


Sem comentários:

Enviar um comentário