Olivier Rolin é um grande escritor que nunca escreveu um
único romance convencional. Também nunca escreveu livros de viagens ou inventou
alguma narrativa para a ficção. O que lhe interessa é fixar o lugar da viagem,
essa coisa nostálgica e ansiosa que persiste, volátil ou indelével, entre cada
partida e cada chegada.
As mulheres surgem como objectos de encanto supremo, quase devoção,
como inevitáveis marcas dessa ansiedade. Contudo, esse encanto vem desde o início
toldado pela angustiada previsão do breve fim. Foi assim em «Veracruz»
(Sextante, 2017), com Dariana, essa cantora cubana encontrada e desencontrada pelas
praias do México, o livro em que Olivier Rolin se aproxima mais de uma
estrutura novelesca. Em «O Bar da Ressaca», o seu profético, poético, quase
alienado segundo romance já assim é.
«Esta ideia de partir, fui eu que a tive, evidentemente.
Porquê? Não sei bem. Eu prolongo a ilusão do amor com a da viagem: tenho a
impressão de que a comédia será mais suave, e que desempenharemos os nossos
papéis com mais elegância.»
O ex-cônsul francês, personagem de amor e desencanto, se apaixona
perdidamente por empregadas de restaurantes e de bares, apurando uma estratégia
por ele delineada entre a ilusão e a ironia, reconhecendo que foi feito mais
para a sedução do que para o amor.
Zerlina, Leïla, Amália, Esperanza, Adriana, Aurelia.
Buenos Aires, Lisboa, Trieste, Praga, Alexandria, o Rio de la
Plata, o Tejo, o Vltava. O Mediterrâneo.
Borges que, no Martinho da Arcada, afinal recebera instruções
e textos de Pessoa para duplicar a persona literária, Kafka, Cavafy,
Beaudelaire, Céline, Blake, Apollinaire, Beethoven, Schubert, Mozart.
Famous Grouse, Gin Fizz, e todo o álcool.
As Ruínas do Carmo. É aí, sob os arcos estrelados, que o
percurso começa e é também aí que ele pede absolvição pela dor da impotência e
do remorso que um dia sentirá na solidão do seu gabinete da Avenida Santa Fé,
rodeado de fotografias da França magnífica, quando um pai lhe bate à porta a
pedir auxílio.
Um romance sobre a o gene da viagem, a possibilidade do amor,
a premência da liberdade e a inevitabilidade do sofrimento.
Nota. Um livro para quem deseja conhecer o mundo virtualmente
real e literário de um mestre que sempre teve em Portugal um lugar de edição e
de refúgio. A sua proximidade fá-lo colecionar para a edição portuguesa uma série
de referências usadas mas não referenciadas ao longo do texto. Assim, o leitor
não perde o ritmo de leitura e fica, no final, com a leitura duplicada.
jef, janeiro 2021
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