domingo, 29 de dezembro de 2024

Sobre o filme «Os Chapéus de Chuva de Cherburgo» de Jacques Demy, 1964

























Este filme passava muitas vezes na televisão. E eu, em miúdo, sabia que era musical e tentava gostar. Mas não gostava. Voltava sempre à «Mary Poppins» (Robert Stevenson, 1964), à «My Fair Lady» (George Cukor, 1964) ou ao «Hello Dolly» (Gene Kelly, 1969). Não compreendia por que estavam sempre a cantar, mesmo na garagem. Achava aborrecido estarem todos tristes apesar do amor que todos sentiam por todos. Não havia propriamente canções, nem alegria. Contudo, nunca o esqueci, acho que por causa do colorido (filmado a 35 mm, sei-o agora).

Acabo de o rever em cópia digitalmente restaurada e percebo a razão de, anteriormente, não gostar e me ter apaixonado agora por ele.

É um dos mais belos filmes políticos sobre as circunstâncias trágicas e irrecuperáveis do destino.

Todos ali, sempre cantando, nem árias nem recitativos como na ópera barroca ou em alternância lírica como nas de épocas mais românticas, descrevem-nos, passo a passo, a razão pela qual, na vida, a felicidade é construída sobre os escombros de uma felicidade amada, passada mas extinta, e que devem ser evitados por uma simples questão – sobrevivência. Todos se amam e alegram tristemente, se resignam a um futuro menos mau, apesar da guerra da Argélia, apesar da ausência forçada, apesar das dívidas que fazem empenhar joias e procurar casamentos economicamente mais vantajosos, apesar das fracturas entre classes sociais.

E é nesse lado de tragédia compensada pela resignação que o melodrama se constrói, forte e urgente, sem cedências nem à tragédia da ópera romântica nem ao aligeiramento subtil das de épocas barrocas.

Porém, tudo é operático, dramático, teatral. O movimento inflexível da câmara, as cores ostensivamente alegres, quase extravagantes, fluindo na mudança dos cenários, o guarda-roupa, a expressividade fulcral dos actores no interior de um filme musical que apesar de trágico mantém a ténue postura de um final, por hipótese, ainda feliz.

A cena final é de uma precisão e rigor emocional impressionantes, colocando o destino do melodrama no seu lugar e recordando tristemente a cena onde Geneviève (Catherine Deneuve) e Guy (Nino Castelnuovo), acompanhados da sua bicicleta, fazem a jura de amor eterno, seguindo o cenário sem andar, deslizando suspensos numa nuvem de afecto.

Enfim, um musical belíssimo e absolutamente adorado mas para os maiores de idade que já entendem como sobreviver em infeliz felicidade. 

Um filme musical americano mas à francesa. Ah, Nouvelle Vague!


jef, dezembro 2024

«Os Chapéus de Chuva de Cherburgo» (Les Parapluies de Cherbourg) de Jacques Demy. Com Catherine Deneuve, Nino Castelnuovo, Anne Vernon, Marc Michel, Ellen Farner, Mireille Perrey, Jean Champion, Pierre Caden, Jean-Pierre Dorat, Bernard Fradet, Michel Benoist, Philippe Dumat, Dorothée Blanck, Jane Carat, Harald Wolff, Danielle Licari (voz de Geneviève), José Bartel (voz de Guy), Christiane Legrand (voz de Madame Emery), Georges Blaness (voz de Roland), Claudine Meunier (voz de Madeleine), Claire Leclerc (voz de Tia Élise). Argumento: Jacques Demy. Produção: Mag Bodard. Fotografia: Jean Rabier. Música: Michel Legrand. Guarda-roupa: Jacqueline Moreau. Cenografia: Bernard Evein. França / Alemanha, 1964, Cores, 91 min.

 

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