Bombaim
surge como o imenso cenário, belo e mutante, imparável. Personagem principal. Sobre
ele, as vozes soam e contam-nos, por vezes rindo, por que é que a cidade é
irresistível apesar de lhes roubar o tempo. Só depois, ante a ribalta, a
cortina se abre e o palco surge. Estamos num hospital.
Três
personagens femininas, enfermeiras e auxiliar, representam a humanidade – Prabha
(Kani Kusruti), Anu (Divya Prabha) e Parvaty (Chhaya Kadam). Elas encerram toda
a bondade e toda a resignação. Também a alegria, o amor e a revolta. Principalmente,
toda a capacidade redentora do perdão.
Há
muito que não se via um filme que sintetizasse tudo o que a memória do cinema
parece representar, desde sempre – o melodrama, o humor, a consciência social e
política, a beleza estética, a fotogenia, a emoção. Enfim, o eterno encantamento
cinematográfico.
A
câmara segue bem de perto as personagens, cola-se-lhes à pele de tal modo
que nós não vemos mas sentimos cada pedaço ou cada alegria ou angústia ou cada
revolta que reside, instante a instante, no seu interior daquelas figuras. (Bombaim
continua no centro.)
Bombaim
é o centro até ser deslocado para um litoral esquecido, silencioso, livre e
lento. Inicia-se aí o segundo acto onde o esplendoroso argumento se desenvolve
e nos remete para a conclusão de uma ternura invulgar.
No
final, muito ao longe, numa praia nocturna e iluminada pelo colorido de algumas
lâmpadas, alguém dança ao som dos auscultadores.
Comovi-me
e sob a comoção não pude deixar de recordar um dos maiores filmes do mundo: «A
Grande Cidade» (Mahanagar) (1963). O universo sentido pela câmara
severa e serena de de Satyajit Ray.
jef,
dezembro 2024
«Tudo
o Que Imaginamos Como Luz» (All We Imagine as Light) de Payal Kapadia. Com Kani
Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon, Azees Nedumangad, Anand
Sami, Lovleen Mishra, Madhu Raja, Shweta Prajapati, Tintumol Joseph, Ardra K.S.,
Sisira Anil CK, Aparna Ram, Kashish Singh, Nikhil Mathew, Bipin Nadkarni, Snehalata
Siddarth Tagde, Saee Abhay Limaye. Argumento: Payal Kapadia. Produção: Thomas Hakim, Julien Graff. Fotografia:
Ranabir Das. Música: Dhritiman Das Topshe. Guarda-roupa: Maxima Basu. Índia /
França / Países Baixos / Itália, 2024, Cores, 115 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário