domingo, 5 de janeiro de 2025

Sobre o filme «Frenzy - Perigo na Noite» de Alfred Hitchcock, 2024



 
























O penúltimo filme de Hitchcock é diabolicamente divertido. Sugere que o realizador deu largas ao seu pendor humorístico no centro da conhecida veia teatral para o macabro, para o ilícito. Sem nunca abrir mão do rigor estético, da perfeição dramática para iluminar o suspense no interior da sua Londres, do seu Convent Garden. É incrível o pormenor das escadas do prédio onde mora Robert Rusk (Barry Foster), num dos momentos cruciais da intriga, por serem filmadas às arrecuas. Todo o mercado é fulgurante de acepipes vegetais a dar o mote alimentar a toda história. Pelo meio das bancas coloridas, circula fugitivo o herói anti-herói, o acusado, desgrenhado, desmazelado, despedido do bar onde trabalhava, Richard Blaney (Jon Finch), com a sua namorada Babs Milligan (Anna Massey). No meio de uma intricada correria, Robert acaba acusado de ser o assassino em série o “neck tie strangler”. Porém, o seu amigo negociante em fruta Bob Rusk contará outra história.

E Hitchcock ainda contará outra, usando todos os meios para colocar em falência o acto do casamento, para quase ridicularizar a implícita componente afectiva, para deixar a mulher primeiro como detentora da sabedoria e da força primárias mas ficando, depois, permanentemente secundarizada. (Talvez misoginia, dirão alguns.) Basta ter atenção à conversa e à caracterização do casal que sai da bem sucedida firma de matrimónios liderada por Brenda Blaney (Barbara Leigh-Hunt), ex-mulher de Richard, ou na caracterização da secretária de Brenda (Jean Marsh). Também na perspicaz e fazedora de ‘verdadeiros’ acepipes franceses, a esposa do esfomeado inspector Tim Oxford (Tim Oxford), Mrs. Oxford (Vivien Merchant). Até os corpos das mulheres parece estar apresentados como iguaria a ser psicanaliticamente consumida, envolta em batatas e pronta a ser deglutida. São raras ou muito poucas as vezes que Hitchcock usou assim a nudez do corpo feminino, exposto, vilipendiado, fazendo suar abundantemente quem dele abusou, e deixando bem vivo, quase a raiar o burlesco, o fácies no estertor final das vítimas. Também os comentários públicos sobre os crimes são feitos gulosamente, deleitando-se com os pormenores escabrosos.

Tudo aqui parece ser deliciosamente grotesco, requintadamente contado e digerido, dando azo à plena satisfação do espectador ao assistir a uma finíssima comédia ultra-negra.

 

jef, janeiro 2025

«Frenzy - Perigo na Noite» (Frenzy) de Alfred Hitchcock. Com Jon Finch, Barry Foster, Barbara Leigh-Hunt, Anna Massey, Alec McCowen, Jean Marsh, Vivien Merchant, Billie Whitelaw, Clive Swift, Bernard Cribbins, Michael Bates, Jean Marsh, Madge Ryan, Elsie Randolph, Gerald Sim, John Boxer, George Tovey, Jimmy Gardner, Noel Johnson. Argumento: Anthony Shaffer segundo o romance “Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square” de Arthur La Bern. Produção: Alfred Hitchcock. Fotografia: Gilbert Taylor. Música: Ron Goodwin. Guarda-roupa: Julie Harris. Cenografia: Sidney Cain e Robert Laing. EUA / Grã-Btretanha, 1972, Cores, 116 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário