Um
filme sem música mas onde a banda sonora é um dos primeiros elementos. A cidade
de Paris em estado de atroz ansiedade, deixando todo o seu ruído urbano a envolver a bicicleta desenfreada de Souleymane Sangaré (Abou Sangare), distribuidor
de refeições ao domicílio mas com uma conta telefónica profissional alugada a um
intermediário. Não pára um segundo porque não pode parar um segundo sequer, há
contas a pagar, família a ajudar, e o sistema económico ocidental assente
nesta assumida escravatura. A exploração do homem pelo homem é legal e, ainda
por cima, aplaudida. Ele é guineense e tenta a todo custo o visto de permanência
em França através de outro esquema intermediário que envolve a história falsa de um refugiado político. Mas Souleymane nada sabe da política do seu
país.
O
filme é um imenso flashback, iniciando-se com um silêncio e terminando, de
novo, com uma sequência no serviço de refugiados francês. A última e magistral sequência
de contenção e tensão reside num diálogo entrecortado de silêncios entre Souleymane
e a agente inquiridora dos serviços. Souleymane não resiste à mentira que mal preparou,
a agente não resiste à verdade que lhe é exposta. Todo o filme está incluído e
concluído nesses momentos de um dramatismo brutal, de uma realidade insuportável.
Contudo de uma fotogenia teatral e humanismo imensos.
É
neste dramatismo, encarnado de alma, corpo, expressão e coração por Abou
Sangare, que reside o valor ancestral da ficção (do teatro), esse pathos milenar, único modo de nós compreendemos
dentro de nós uma realidade tão hostil mas que é precisamente aquela onde estamos
mergulhados.
Não
os encostem à parede!
jef,
janeiro 2025
«A
História de Souleymane» (L’Histoire de Souleymane) de Boris Lojkine. Com Abou
Sangare, Nina Meurisse, Emmanuel Yovanie, Younoussa Diallo, Keita Diallo, Ghislain
Mahan, Mamadou Barry, Yaya Diallo, Karim Bouziane, Amadou Bah, Sory Binta Barry,
Thierno Sadou Barry, Nagnouman Touré, Frédéric Faria, William Cotteaux-Guinard,
Roger Bernard, Boris Lojkine. Argumento: Delphine Agut e Boris Lojkine. Produção: Bruno Nahon. Fotografia: Tristan
Galand. Guarda-roupa: Marine Peyraud. França, 2024, Cores, 93 min.
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