quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Sobre o filme «A Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach» de de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, 1982



 






























Para entender o método “austero” ou “minimalista” da filmagem de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet talvez seja bom concentrarmo-nos no filme de Pedro Costa «Onde Jaz o Teu Sorriso?» (2001) que observa o fotograma exacto que estabelece a diferença de expressão da personagem sentada no comboio – o fotograma que retém o início ou o fim de um suposto sorriso. Os realizadores montam «Sicilia!» (1999) e discutem. Logo se entende que esse “rigor” nada tem de “austero” ou “minimalista”. Apenas tem a ver com um sentido global e ético a que podemos chamar “estética absoluta”.

Ora, para entender a capacidade universal e infinita da estética de Johann Sebastian Bach podemos ler o livro «Bach» de Pedro Eiras (2014). Pelos diversos textos encadeados nas partituras BWV olhamos a influência emocional que o compositor, professor, músico alemão exerce na sociedade até aos dias de hoje.

O filme rescreve a música de Bach através das dificuldades financeiras, de saúde e de reconhecimento de uma família a braços com uma sociedade que transitava do velho suporte económico da arte por mecenas aristocráticos da realeza e da burguesia emergente para um romantismo introspectivo e, de certo modo, libertário mas solitário. O filme é a música de Bach corporizada por Gustav Leonhardt e pontuada pelos “recitativos” em voz off de Anna Magdalena Bach (Christiane Lang) que nos vai contando a história dessa espécie de cerco pelo não sustento e pela falta de reconhecimento. Recitativos apressados, angustiados, quase melodramáticos.

Tudo o resto é a música de Bach, filmada numa espécie de campo fechado, espaço fechado, quase monástico sobre os músicos, sobre Anna Magdalena, onde a câmara, se não está fixa sobre a cena, apenas se afasta ou aproxima de modo imperceptível, quase a desculpar-se por ali se encontrar. Todo o som ouvido é aquele que a câmara acompanhou no momento.

Do outro espaço, o aberto, apenas existe o mar que se move, silencioso, por segundos, ou a atmosfera onde as nuvens e as aves vão lentamente fugindo.

Esta obra é uma dádiva musical. Desse espaço universal, fica o olhar sentido de Anna Magdalena. Fica, por fim, o olha cego Johann Sebastian Bach.

 

jef, janeiro 2025

«A Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach» (Chronik der Anna Magdalena Bach) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Com Gustav Leonhardt, Christiane Lang, Paolo Carlini, Ernst Castelli, Hans-Peter Boye, Joachim Wolff, Rainer Kirchner, Eckart Bruntjen, Walter Peters, Kathrien Leonhard, Anja Fahrmann, Katja Drewanz, Bob van Asperen, Andreas Pangritz, Bernd Weikl, Wolfgang Schöne, Karl-Heinz Lampe, Bernhard Wehle, Christa Degler, Karl-Heinz Klein, Nikolaus Harnoncourt, Hellmuth Costard. Argumento e Montagem: Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Produção: Gian Vittorio Baldi, Danièle Huillet, Franz Seitz, Jean-Marie Straub. Fotografia: Ugo Piccone. Música: Johann Sebastian Bach. Guarda-roupa: Vera Poggioni. Alemanha, 1968, P/B, 95 min.

 

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