Para
entender o método “austero” ou “minimalista” da filmagem de Jean-Marie Straub e
Danièle Huillet talvez seja bom concentrarmo-nos no filme de Pedro Costa «Onde
Jaz o Teu Sorriso?» (2001) que observa o fotograma exacto que estabelece a diferença
de expressão da personagem sentada no comboio – o fotograma que retém o início
ou o fim de um suposto sorriso. Os realizadores montam «Sicilia!» (1999) e
discutem. Logo se entende que esse “rigor” nada tem de “austero” ou “minimalista”.
Apenas tem a ver com um sentido global e ético a que podemos chamar “estética
absoluta”.
Ora,
para entender a capacidade universal e infinita da estética de Johann Sebastian
Bach podemos ler o livro «Bach» de Pedro Eiras (2014). Pelos diversos textos
encadeados nas partituras BWV olhamos a influência emocional que o compositor,
professor, músico alemão exerce na sociedade até aos dias de hoje.
O
filme rescreve a música de Bach através das dificuldades financeiras, de saúde
e de reconhecimento de uma família a braços com uma sociedade que transitava do
velho suporte económico da arte por mecenas aristocráticos da realeza e da
burguesia emergente para um romantismo introspectivo e, de certo modo,
libertário mas solitário. O filme é a música de Bach corporizada por Gustav
Leonhardt e pontuada pelos “recitativos” em voz off de Anna Magdalena Bach (Christiane
Lang) que nos vai contando a história dessa espécie de cerco pelo não sustento
e pela falta de reconhecimento. Recitativos apressados, angustiados, quase melodramáticos.
Tudo
o resto é a música de Bach, filmada numa espécie de campo fechado, espaço
fechado, quase monástico sobre os músicos, sobre Anna Magdalena, onde a câmara,
se não está fixa sobre a cena, apenas se afasta ou aproxima de modo imperceptível,
quase a desculpar-se por ali se encontrar. Todo o som ouvido é aquele que a
câmara acompanhou no momento.
Do
outro espaço, o aberto, apenas existe o mar que se move, silencioso, por
segundos, ou a atmosfera onde as nuvens e as aves vão lentamente fugindo.
Esta
obra é uma dádiva musical. Desse espaço universal, fica o olhar sentido de Anna
Magdalena. Fica, por fim, o olha cego Johann Sebastian Bach.
jef,
janeiro 2025
«A
Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach» (Chronik der Anna Magdalena Bach) de
Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Com Gustav Leonhardt, Christiane Lang,
Paolo Carlini, Ernst Castelli, Hans-Peter Boye, Joachim Wolff, Rainer Kirchner,
Eckart Bruntjen, Walter Peters, Kathrien Leonhard, Anja Fahrmann, Katja Drewanz,
Bob van Asperen, Andreas Pangritz, Bernd Weikl, Wolfgang Schöne, Karl-Heinz
Lampe, Bernhard Wehle, Christa Degler, Karl-Heinz Klein, Nikolaus Harnoncourt, Hellmuth
Costard. Argumento e Montagem: Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Produção: Gian Vittorio Baldi, Danièle Huillet,
Franz Seitz, Jean-Marie Straub. Fotografia: Ugo Piccone. Música: Johann
Sebastian Bach. Guarda-roupa: Vera Poggioni. Alemanha, 1968, P/B, 95 min.
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