“Precisamos de bebidas!”
Aqui muito se fala do apocalipse da lagosta. Uma frase dita
por Paige (Catarina Campos Costa) que prodigaliza a sua veia de bem receber num
jantar íntimo, requintadamente conceptual, em honra à última obra literária de
seu marido Lars (Tiago Matias): “Para Lá da Crença”. Uma obra ao estilo
auto-ajuda intelectual para lamber as feridas de uma burguesia à beira do seu
próprio apocalipse. Um apocalipse que se parece mais com o decadente ciúme que
o espírito da pequena burguesia sempre devota pela defunta aristocracia.
Pelas palavras e pelo silogismo, lembrei-me de modo abstracto
de duas obras: «O Apocalipse dos Trabalhadores» de Valter Hugo Mãe (2008) e
«Aprender a Rezar na Era da Técnica» de Gonçalo M. Tavares (2007).
Em «Jantar» de Moira Buffini tudo parece sumptuosamente
ameaçado, num clima de uma vingança calculada que se deve servir gelada. A esse
clima de intriga e suspeita latente não é estranha a profundidade de campo por
onde, a dado momento, se vislumbra o criado contratado para a ocasião (Vicente
Wallenstein), ao longe, a deitar fora pelo chão os restos abomináveis do
“consommé” de plâncton que os convidados não conseguiram tragar. Existe mesmo um
progressivo clima de envenenamento e de mentira, de sedução e permanente traição.
Contudo, esta comédia negra apenas nos indica como
actualmente os protótipos sociais burgueses ligados à ciência e as artes
plásticas, à literatura, ao jornalismo, à alimentação ou à sexualidade podem
ser transpostos para o palco tal como seriam na altura as personagens da
“commedia dell’arte” – por vezes risonhos, por vezes trágicos, por vezes mimos
do ridículo, outras, mimos da verdade.
Uma encenação rigorosa num espaço amplo e quase soturno, como
se a mansão de estilo se fosse transformando nos bastidores de uma catacumba
funesta, onde as personagens se vão despindo, vão confessando, preparando-se
para um epílogo inexorável, cómico e trágico em simultâneo.
“Precisamos de bebidas!”
jef, 30 de Outubro de 2025
«Jantar» de Moira Buffini. Encenação: Pedro Carraca.
Tradução: Joana Frazão. Cenário e Figurinos Rita Lopes Alves. Assistência de cenografia:
Francisco Silva. Assistência de encenação: Joana Calado e Nuno Gonçalo
Rodrigues. Luz: Pedro Domingos. Som: André Pires. Com Catarina Campos Costa (Paige),
Gonçalo Carvalho (Hal), Inês Pereira (Wynne), Pedro Caeiro (Mike), Raquel
Montenegro (Siân), Tiago Matias (Lars) e Vicente Wallenstein (o criado). Produção:
Teatro Paulo Claro / Artistas Unidos. Duração: 110 minutos.
Teatro Paulo Claro de 23 de Outubro a 15 de Novembro
(Rua do Açúcar 37)
3ª e 4ª às 19h30 | 5ª e 6ª às 21h00 | Sáb. às 16h00 e às
21h00












































