quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Sobre a peça «À Espera de Godot» de Samuel Beckett. Teatro do Bairro, 2025.



 




































Hoje em dia, talvez até mais do que em 1948-1949, quando Samuel Beckett a escreveu, ou em 1953, ao estrear-se em Paris, esta seja a peça-símbolo da eterna modernidade, afastando-a de drasticamente do epíteto “absurdo”. Talvez possamos apelidada, assim, mais "abstracta" do que "absurda". Representa a realidade, não é a realidade. Esta, hoje em dia, é que é muito mais “absurda” do que a espera a que Vladimir / Didi (Adriano Luz) e o seu amigo Estragon / Gogo (João Barbosa) se sujeitam.

Afinal, a espera (de Godot) é também a filosófica finalidade de toda a existência. Por isso, o banco de jardim onde Dido e Gogo aguardam ou passam os seus dias, inventando uma qualquer finalidade. Por isso, as folhas mortas e a terra molhada no chão; ainda a árvore que parece morta (apresentando apenas um pequeno broto primaveril, porventura esperançoso), uma árvore que nunca chega a suster os corpos de um duplo e inconsequente desejo de enforcamento. Uma morte continuamente adiada, como a espera, imagem crucial da existência. Godot sempre surgirá, mas só no dia seguinte, avisa a rapariga (Carolina Campanela), ela que é a sua assustada e rural empregada. A violência permanece latente.

Como violenta é a chegada de Pozzo (Francisco Vistas), afectado e distante pseudo-aristocrata, desejoso de assistência, que chega arrastando pela trela-corda de forca Lucky (Mário Sousa), o escravo imundo, que não consegue pousar as malas do amo no chão. A violência da sociedade perante o sentido inábil dos dois mendigos, unidos quase visceralmente, que apenas aguardam a noite para poderem regressar no dia seguinte. Didi e Gogo são o coro que nos faz rir, angustiar e incompreender já que representam cada um de nós que continuamente aguardamos que o mundo nos dê uma explicação. Uma explicação que não chegará. Como Godot.

Texto circular, pois toda a espera é circular, redonda, repetida e incompleta, por inconclusiva. Cheia de silêncios, expressões voluntárias e involuntárias, olhares, rictos, também repetições. Um texto eterno, exaustivo e exausto sobre o que somos e talvez nunca seremos. Um texto apenas para actores com uma resistência emocional e fisíca fora de comuns. Assim estes são!

Temos mesmo de ir ao teatro!


jef, Teatro do Bairro, 26 de Outubro de 2025

«À Espera de Godot» de Samuel Beckett. Encenação: António Pires. Tradução: José Maria Vieira Mendes.  Cenário: Alexandre Oliveira. Desenho de luz: Rui Seabra. Desenho de som: Paulo Abelho. Construção de cenário: Fábio Paulo. Figurinos: Sol Piloto, Larissa Angeli. Com Adriano Luz (Vladimir, Didi), João Barbosa (Estragon, Gogo), Francisco Vistas (Pozzo), Mário Sousa (Lucky), Carolina Campanela (empregada de Godot). Produção: Ar de Filmes /Teatro do Bairro. Teatro do Bairro. Duração: 1h10 (com intervalo).



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