terça-feira, 12 de julho de 2022

Sobre o filme «A Mãe e a Puta» de Jean Eustache, 1973










Tomemos o filme como a comédia que, na realidade, é. Uma comédia sobre o fim de um  ciclo, o fim de festa. Alexandre (Jean-Pierre Léaud) não trabalha, não tem casa. Ele afirma que assim jamais ficará sem ela. Entre cafés e whiskeys tomados no Les Deux Magots e no Café de Flore (sob a vigilância de André Téchiné), ele declara que já não existem lutas e guerras românticas, nem sequer rock a sério ou cabelos compridos. Já nada há para ler nos jornais da actualidade.

Todos se sentam e caminham sobre a cama, em casa de Marie (Bernadette Lafont) – a Mãe. Não se descalçam. Bebem muito, discursam e ouvem o Concerto sinfónico dos Deep Purple. Outros acabam de comprar o disco “La Belle Hélène” de Jacques Offenbach e surpreendem-se por alguém se vestir todo de verde. Outro rouba uma cadeira de rodas a um paralítico.

Alexandre pensa em Gilberte (Isabelle Weingarten) (– a Esposa) mas acaba por seduzir Véronika (Françoise Lebrun) – a Puta.

Paris já nada tem para mostrar, o Maio de 68 terminou, a esperança empalidecera. A Europa começava a afundar-se no terrorismo. Todo o entusiasmo parecia definhar. A Nouvelle Vague ficara velha. Jean-Luc Godard fugira. Tão perto e já tão longe iam “O Acossado” (Jean-Luc Godard, 1959), “Hiroshima, meu Amor” e “O Último Ano em Mariembad” (Alain Resnais, 1959, 1961) ou “Os 400 Golpes” e “Jules e Jim” (François Truffaut, 1959,1962).

Entretanto, a dúvida persiste para Alexandre. O quarto já não devolve o exterior da sociedade através da janela. E o reflexo do vidro que restitui, afinal, o centro de uma certa clausura que se pretende ainda libertária mas apenas revela a própria imagem. Marie, Alexandre e Véronika sustentam a imagem da leveza durante toda a longuíssima metragem, e a vida corre suspensa por eles. Até que…

… até que ouvimos toda a canção de Léo Ferré “Les Amants de Paris” cantada por Édith Piaf, e Marie, sozinha, esconde a cara nas mãos. Talvez chore.

… até que Véronika faz um longo discurso dramaticamente desesperado e repetitivo enquanto as lágrimas lhe escorrem pelas faces.

… até que Alexandre se senta no chão do quarto de Véronika enquanto ela lhe pede uma bacia para vomitar.

E a comédia termina e o mundo desaba.

Um filme infalível, todo ele assente literariamente na palavra discursada. Um filme que  falará eternamente à sociedade em crise permanente, emocional e suicidária.

Também ele, Jean Eustache, se suicidaria em Paris, oito anos depois.


jef, julho 2022

«A Mãe e a Puta» (La maman et la putain) de Jean Eustache. Com Jean-Pierre Léaud, Bernadette Lafont, Françoise Lebrun, Isabelle Weingarten, Jacques Renard, Jean-Noël Picq, Jessa Darrieux, Berthe Granval, Geneviève Mnich, Marinka Matuszewski, Jean-Claude Biette, Pierre Cottrell, Jean Douchet, Douchka, Bernard Eisenschitz, Jean Eustache, Caroline Loeb, Noël Simsolo, André Téchiné. Argumento: Jean Eustache. Produção: Elite Films, Ciné Qua Non, Les Films du Losange, Simar Films, V.M. Productions - Vincent Malle Productions. Fotografia: Pierre L'homme. França, 1973, P/B, 220 min.

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