quinta-feira, 14 de julho de 2022

Sobre o filme «Um Corpo que Dança - Ballet Gulbenkian 1965-2005» de Marco Martins, 2022







































Um filme único. Por diversas razões:

Nunca pensei comover-me (até às lágrimas) com um documentário sobre dança!

Também um filme raro sobre a História de Portugal contemporâneo.

Tem uma produção e pesquisa únicas, uma velocidade na montagem incrível. Notar com atenção como as diversas cenas são intercaladas de modo rapidíssimo, alternando os diversos registos: bailado, político, sociológico. Atentar particularmente aos comentários em rodapé e às fichas técnicas dos bailados que se sucedem.

No fundo, é a História (até 2005) da incrível Fundação Calouste Gulbenkian (e das suas bibliotecas itinerantes). Uma instituição que obrigou Portugal a mudar.

No fundo, no fundo, está lá a história toda do bailado profissional em Portugal, e também a outra, a do baile popular, a da diversão: as tendências, as modas, os ritmos.

Também está lá o país miserável de Salazar e Caetano, a guerra colonial, os movimentos estudantis, o protesto de Charlie Haden no Festival de Jazz de Cascais e a expulsão de Maurice Bèjart do país, o 25 de Abril e o 25 de Novembro, a imigração dos retornados, a Grândola Vila Morena, os UHF, o Variações. Está lá tudo, de modo rápido, tão integrado como contemplativo.

Também lá revejo a minha própria história como espectador: A irritação da minha mãe contra o Verde Gaio, criação do popular higienizado feito pelo António Ferro para o Estado Novo. A altura em que começámos a ir ver com espanto o Ballet Gulbenkian, sem cisnes nem tutus. Quando fomos ao Coliseu de Lisboa ver o regresso em apoteose da Sagração da Primavera de Maurice Bèjart. Quando, finalmente, acorremos para assistir à Pina Bausch e ao William Forsythe.

Acima de tudo, este é um filme que só não comove as pedras da calçada (e mesmo assim…) declarando o esforço e a abnegação de que o bailado é feito. Também a força e o equilíbrio imprescindíveis ao corpo e à manutenção da exigível alma dançante da sociedade.

A rever. Sempre.


jef, julho 2022

«Um Corpo que Dança - Ballet Gulbenkian 1965-2005» de Marco Martins. Documentário. Iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian. Argumento: Marco Martins. Montagem: Rita Quelhas e Catarina Lino. Pesquisa Fotográfica: Lígia Resende e Sara Coelho. Desenho e misturas de Som Miguel Martins. Música original: Filipe Raposo. Produção: Filipa Reis, Vende-se Filmes, RTP. Portugal, 2022, P/B / Cores, 127 min.


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