sábado, 3 de fevereiro de 2024

Sobre o filme «A Zona de Interesse» de Jonathan Glazer, 2023


 





Quando se tem na memória os filmes monumentais sobre a monumental catástrofe da humanidade – «Noite e Nevoeiro» (Alain Resnay, 1956) ou «Shoah» e «Sobibor, 14 de Outubro 1943, 16 Horas» (Claude Lanzmann, 1985, 2001), é bem provável que entremos no cinema com um pé atrás e a condição comparativa em estado de alerta. Contudo, quando se vê a alegoria iraniana «III Guerra Mundial» (Houman Seyedi, 2022), acreditamos que o cinema ficcional (e não documental) ainda pode pegar no Tema sem ofender essa minha memória informativa, formativa, adquirida e fundamental. Tenho para mim que o cinema apenas pode tocar no monstro com as pinças da sensibilidade, da estética e da ética.

Por isso, este filme arrepiou-me. 

Sugeriu-me ser uma comédia a fingir que é tragédia, pouco séria e confusa, infeliz e perigosa, a roçar a morbidez apenas para chocar e dar um certo ar “gore” para apresentar-se moderninha e violenta, como agora está tão na moda ser a “arte contemporânea”. E, como é óbvio, para piscar o olho aos Óscares.

Para quê a memória “polaca” em formato negativo e com a jovem resistente a distribuir frutos pelos escombros, pelas cinzas, ainda a descobrir a pauta de uma possível canção de resistência?

Porquê filmar assim, sem decoro, estética ou reverência, fazendo mover aspiradores pela actual memória dos calabouços de Auschwitz?

Para quê a consulta médica e os vómitos inconsequentes de Rudolf Höss (Christian Friedel)? (Eu sei que em ficção tudo pode coexistir mas quem conseguiria respirar alegremente paredes meias com as chaminés dos fornos crematórios?)

Tento reavaliar a minha memória através dos velhos filmes, dos livros e da música. Vou buscar sem demora o disco «Terezín / Theresienstadt» com Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg, Christian Gerhaher, Daniel Hope (Deutsche Grammophon, 2007)

Tento esquecer o filme.

Vou já ler «Se Isto é Um Homem» de Primo Levi (1947).


jef, fevereiro 2024

«A Zona de Interesse» (The Zone of Interest) de Jonathan Glazer. Com Sandra Hüller, Christian Friedel, Freya Kreutzkam, Ralph Herforth, Max Beck, Ralf Zillmann, Imogen Kogge, Stephanie Petrowitz, Johann Karthaus, Marie Rosa Tietjen, Luis Noah Witte, Nele Ahrensmeier, Andrey Isaev, Medusa Knopf, Julia Polaczek, Daniel Holzberg, Zuzanna Kobiela, Martyna Poznanski. Argumento: Jonathan Glazer baseado no romance de Martin Amis. Produção: Ewa Puszczynska e James Wilson. Fotografia: Lukasz Zal. Música: Mica Levi. EUA / Reino Unido / Polónia, 2023, Cores, 104 min.

 

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