segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Sobre a peça «De Passagem» de Luísa Costa Gomes. Teatro do Bairro, 2024.






















Uma casa na montanha. Lá em baixo, um lago. Um homem que viaja de bicicleta pelo mundo, Roberto (Francisco Vistas), encontra o homem da casa, António (João Barbosa), que lhe oferece uma lata com feijões e está bastante mal-humorado. Roberto perde (ou é-lhe roubado) o saco com todos os pertences. Principalmente o caderno onde vai desenhando as paisagens que com ele se encontram. Com Roberto cruzam-se dois fleumáticos caminhantes, talvez britânicos e imperturbáveis, Domingos (Ricardo Aibéo) e Augusto (Marcello Urgeghe), que também apontam toda a dádiva da natureza num caderninho. Ao longe, na outra colina Maria Rita (Sandra Santos), com o seu pacífico marido Marlôn, anseia porque não consegue vislumbrar o seu filho Mateu que se afastou para ir sozinho comprar um gelado.

No fundo, «De Passagem» é uma comédia sobre o costume económico, como escreve Luísa Costa Gomes, na apresentação da peça. Todas as histórias se cruzam de modo anacrónico na tentativa de dar e receber, roubar e reaver, como se o maior humor fosse o mais trágico. Como se a maior troca não fosse a do amor mas a do bem, sendo a dádiva a moeda de troca e o aceitar um modo de empenho, de obrigação de retribuir, de ficar depois mais pobre e quem deu, afinal, futuramente vir a receber de volta e enriquecer.

Num cenário tão misterioso e bucólico quanto a intriga que nele se desenrola (com fortes laivos de angustiada intranquilidade) das paisagens naturalistas de Jean Baptiste-Camille Corot, apresenta-se uma comédia desabrida cujo centro é a etimologia da palavra e a intriga se encontra na velocidade lúdica do diálogo.

O verdadeiro teatro é isto!

(E pelo meio, ainda me lembrei dos Monty Python e das comédias revolucionárias de Marivaux e Beaumarchais)


jef, janeiro 2024

«De Passagem» Texto: Luísa Costa Gomes. Encenação António Pires. Com: Francisco Vistas, João Barbosa, Marcello Urgeghe, Ricardo Aibéo e Sandra Santos. Cenografia: Alexandre Oliveira. Figurinos: Luísa Pacheco. Desenho de Luz: Rui Seabra. Desenho de Som: Paulo Abelho. Produção: Ar de Filmes / Teatro do Bairro. 90 min (aproximadamente)

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