Uma
casa na montanha. Lá em baixo, um lago. Um homem que viaja de bicicleta pelo mundo,
Roberto (Francisco Vistas), encontra o homem da casa, António (João Barbosa), que
lhe oferece uma lata com feijões e está bastante mal-humorado. Roberto perde
(ou é-lhe roubado) o saco com todos os pertences. Principalmente o caderno onde
vai desenhando as paisagens que com ele se encontram. Com Roberto cruzam-se
dois fleumáticos caminhantes, talvez britânicos e imperturbáveis, Domingos (Ricardo
Aibéo) e Augusto (Marcello Urgeghe), que também apontam toda a dádiva da natureza num caderninho. Ao longe, na outra colina Maria Rita (Sandra Santos), com o seu
pacífico marido Marlôn, anseia porque não consegue vislumbrar o seu filho Mateu
que se afastou para ir sozinho comprar um gelado.
No
fundo, «De Passagem» é uma comédia sobre o costume económico, como escreve
Luísa Costa Gomes, na apresentação da peça. Todas as histórias se cruzam de
modo anacrónico na tentativa de dar e receber, roubar e reaver, como se o maior
humor fosse o mais trágico. Como se a maior troca não fosse a do amor mas a do
bem, sendo a dádiva a moeda de troca e o aceitar um modo de empenho, de obrigação
de retribuir, de ficar depois mais pobre e quem deu, afinal, futuramente vir a receber de volta e enriquecer.
Num
cenário tão misterioso e bucólico quanto a intriga que nele se desenrola (com fortes
laivos de angustiada intranquilidade) das paisagens naturalistas de Jean
Baptiste-Camille Corot, apresenta-se uma comédia desabrida cujo centro é a
etimologia da palavra e a intriga se encontra na velocidade lúdica do diálogo.
O
verdadeiro teatro é isto!
(E
pelo meio, ainda me lembrei dos Monty Python e das comédias revolucionárias de
Marivaux e Beaumarchais)
jef,
janeiro 2024
«De
Passagem» Texto: Luísa Costa Gomes. Encenação António Pires. Com: Francisco
Vistas, João Barbosa, Marcello Urgeghe, Ricardo Aibéo e Sandra Santos.
Cenografia: Alexandre Oliveira. Figurinos: Luísa Pacheco. Desenho de Luz: Rui
Seabra. Desenho de Som: Paulo Abelho. Produção: Ar de Filmes / Teatro do
Bairro. 90 min (aproximadamente)
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