Tomemos
«Folhas Caídas» como uma peça de teatro alegórica onde os actores quase não se movem
diante de uma câmara parada, onde tudo faz sentido, as cores, os decores, o
guarda-roupa, a estratégia de uma narrativa tão forte quanto natural ou fortuita.
Imagine-se que estamos a ver imagens por um antigo daguerreótipo mas em belas
cores e com a Ucrânia invadida e bombardeada a cada momento. Como uma sequência
de naturezas mortas. Como pinturas musicais, ternas e tristes. Também cómicas.
Como são todas as fábulas.
Aliás
(para mim) os reis das fábulas contemporâneas, doces, tristes, belas e musicais
são: Jim Jarmusch, Roy Andersson e Aki Kaurismäki. Aqueles que humanamente
olham para o cinema através do modo ancestral de contar as histórias sem
história. Os perdidos na vida e no silêncio, operários despedidos, empregadas
de supermercado despedidas, aguardando um momento para ir ao clube de karaoke
para velhos ou ao cinema Ritz ver os mortos-vivos mais recentes de Jim Jarmusch
(«Os Mortos Não Morrem», 2019). Alguém sai do cinema e compara-o com «Diário de
um Pároco de Aldeia» (Robert Bresson, 1951) ou «Bando à Parte» (Jean-Luc
Godard, 1964). À porta do cinema, a triste, pobre, solitária e desempregada Ansa
(Alma Pöysti) e o pobre, triste, desempregado, solitário e alcoólico Holappa (Jussi
Vatanen) conversam sobre como tanto se pode rir num filme de mortos-vivos. Por
cima espreita o célebre cartaz de «Breve Encontro» (David Lean, 1945).
Ansa
e Holappa talvez um dia se voltem a encontrar. Um dia talvez refaçam a vida e regressem
a casa seguidos pela cadela Chaplin.
«Folhas
Caídas» é um filme urgente sobre as vidas que são tudo e também nada são.
Um
filme belo como poucos para ser guardado para sempre nos olhos e no coração.
jef,
janeiro 2024
«Folhas
Caídas» (Kuolleet lehdet) de Aki Kaurismäki. Com Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Alina
Tomnikov, Martti Suosalo, Sakari Kuosmanen, Janne Hyytiäinen, Nuppu Koivu, Maria
Heiskanen, Sherwan Haji, Paula Oinonen, Eero Ritala, Mikko Mykkänen, Matti
Onnismaa, Lauri Untamo. Argumento: Aki Kaurismäki. Produção: Aki Kaurismäki. Fotografia: Timo
Salminen. Guarda-roupa: Tiina Kaukanen. Finlândia / Alemanha, 2023, Cores, 81
min.
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