São 36 textos que, em certo sentido, poderíamos considerar como poemas se não fossem escritos em prosa e neles não espreitasse a veia narrativa de cronista de Rui Môço.
Seriam
poemas sérios se o autor conseguisse reprimir o irresistível laivo de humor com
que enaltece ou fustiga grande parte dos protagonistas nos seus contos.
Sim,
porque são pequenos contos que, em simultâneo, contêm o lado microcósmico e
humanista do quotidiano mas também o delirante lado clínico da observação
diária, quase fantasioso, quase romanesco. Lembrei-me de Robert Walser ou Nikolai
Gógol.
O
Amor e a Morte. O Cosmos e a Botânica. O Mar, a Solidão e o Abandono. Também o
Corpo e a Palavra.
Talvez
melhor, tudo sobre o corpo da palavra. Sem o vício do adjectivo nem o inútil
alongar descritivo da acção. Simples e eficaz. Por vezes matreiro, outras,
doce.
E
se já ninguém deveria escrever sobre o amor, a páginas tantas, Rui Môço
ameaça-o escrevendo o paraíso e o inferno que se abatem, intermitentes, sobre o
vôo das andorinhas que tentam encontrar os frutos ávidos na superfície de um
corpo suculento.
Ou,
já lá para o fim, o assomo de uma natureza morta com uma laranja esmagada que
tenta, apesar do sumo se perder pela rua, manter a dignidade da sua forma.
«Rusga»
será, deste modo, a metáfora para o toque-e-foge de um desejo ou de uma
desilusão.
jef,
janeiro 2024
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