sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Sobre o filme «As Ervas Secas» de Nuri Bilge Ceylan, 2023

 





















O cinema de Nuri Bilge Ceylan vive da paisagem como personagem e do tempo que ela entrega às figuras que nela ficam suspensas. É usualmente um tempo de espera, um tempo quase inconsequente como o ritmo inflexível das estações do ano.

Aqui o Inverno que cobre o horizonte de uma pequena aldeia pobre da Anatólia na Turquia acolhe um professor de artes visuais, Samet (Deniz Celiloglu) que vive entre o tédio branco daquele horizonte e o instável desespero de voltar a Istambul. Até que a sua aluna preferida, Sevim (Ece Bagci), o acusa de um procedimento menos próprio, por interesse, provocação ou vingança. Nunca o saberemos.

Dos filmes do realizador que me lembro, talvez seja este o que leva essa instabilidade emocional a um ponto mais forte, tornando a indecisão ou desespero ou aborrecimento de Samet num quase caso de suspense, envolvendo o realismo de um regime lectivo autoritário, um ambiente de revolta política violenta, uma aldeia quase abandonada à sua sorte, uma inconsequente história de afecto melancólico entre Samet, Nurai (Merve Dizdar) e Kenan (Musab Ekici).        

E se a paisagem é a trave-mestra, aquela que define a beleza como o fulcro estético do dicionário poético que o realizador constrói para si próprio e para os que assistem aos seus filme, a verdade é que a ética acompanha-a pelas densas discussões teóricas sobre o princípio da liberdade individual e o seu afastamento face à responsabilidade social colectiva, num assomo de existencialismo, acusado de cobardia. A este respeito veio-me à memória «Malmkrog» de Cristi Puiu (2020).

Contudo, já bem avançado vai o filme surge um episódio inusitado que nos faz regressar à sala de cinema. Samet deve ir à casa de banho e tem de fazer um longo percurso cenográfico. Essa sequência (talvez dispensável) vem lançar uma suspeita sobre o protagonista e uma acha para a fogueira das dúvidas. Interessante mas que não suplanta Pedro Almodóvar em «A Voz Humana» (2020) ou o épico «O Navio» de Federico Fellini (1983).

Uma obra que merecerá sempre a nossa melhor atenção.


jef, janeiro 2024

«As Ervas Secas» (Kuru Otlar Üstüne / About Dry Grasses) de Nuri Bilge Ceylan. Com Deniz Celiloglu, Merve Dizdar, Musab Ekici, Ece Bagci, Erdem Senocak, Yüksel Aksu, Münir Can Cindoruk, Onur Berk Arslanoglu, Yildirim Gücük, Cengiz Bozkurt, S. Emrah Özdemir, Elif Ürse, Elit Andaç Çam. Argumento: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan e Akin Aksu. Produção: Nuri Bilge Ceylan. Fotografia: Cevahir Sahin e Kürsat Üresin. Música: Philip Timofeyev. Guarda-roupa: Gülsah Yüksel. Turquia, 2023, Cores, 197 min.

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