Não sei se quando gostamos muito de um disco não procuramos
nele, acima de tudo, os sons ancestrais que nos dizem respeito. A nossa memória
musical, o nosso caminho mais alongado, as moléculas perdidas de qualquer coisa
desaparecida e de que gostávamos muito.
«Ruins» tem um lado espontâneo e intuitivo, dificílimo de
conseguir no mundo musical que, hoje em dia, parece andar verdadeiramente
enlouquecido em termos comerciais.
A americana Liz Harris deita mãos e ouvidos a esses
princípios, retira-se para casa de uma tia emprestada e vai gravando
directamente o som do piano e da voz ao crespúsculo de Aljezur, lá no distante
ano de 2011. No final, a oitava faixa “Made of Air” chega depois mas foi gravada
antes, em casa materna em Petaluma – Califórnia (2004).
Inicia-se com “Made of Metal”, uma percussão com o vago
subterfúgio tribal sob o som etéreo de ralos ou das rãs. Pouco importa a zoologia.
Depois vem o espaço amplo mas com as reverberações das batidas nas cordas
do piano vindos do eco de um sótão plantado à beira Atlântico.
Pelo meio, “Labyrinth” é concluído com um bip de micro-ondas.
A electricidade volta a casa da tia do Sérgio e a máquina presta tributo
musical ao sereno vazio Vicentino. E não lhe foi recusado.
Tudo sem início, tudo sem fim. Mas muito belo.
(Ah! E lá fui anotando sem critério alguns dos tais caminhos
ancestrais – «From Gardens Where We Feel Secure» de Virginia Astley (1983);
Brian Eno; Erik Satie; Feist; «Dehli9» dos Tosca (2003), …
jef, janeiro de 2024
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