Na peça existe uma latente inquietude,
uma estratégia da aranha por definir. Porém, uma inquietação estratégica há
muito definida, talvez mesmo vinda dos tempos homéricos ou bíblicos. Será que a
suspeição e a desconfiança nasce do próprio útero da família? Caim e Abel não
eram propriamente amigos. Será que a estrutura carnívora da sociedade capitalista
(talvez da sociedade comercial de todos os tempos) não vem lucrar com essa
espécie de doença familiar? Não se prontificou logo Abraão, o obediente chefe
de todas as tribos, a encostar a navalha à carótida do seu amado filho, Isaac?
Afinal, que Anjo Caído (Manuel Jerónimo) poderá
impor a justiça capitalista, qual Salomão, no negócio das duas irmãs: Marta (Juana
Pereira da Silva) e Maria (Diana Costa e Silva)? Será ele mesmo o rei do lazer
e da limpeza, o patrono das empregadas domésticas?
E nós espectadores como iremos compreender
tal discrepância moral, melhor, como poderemos saber: quem nasceu primeiro o
ovo ou a serpente?
Uma figura desce, Deus ex-maquina, D. Ana
(Leonilde Melo), e conta-nos o reverso da medalha, o interior do ovo, a
estrutura afectivamente amarga da dita sociedade.
Tudo parece estar contido no interior
desta peça. Simples e complexa. Poderosa. Agarrada por quatro valentes actores!
jef,
janeiro 2024
«A
Beleza das Empregadas Domésticas». Texto e Encenação: Manuel Jerónimo. Com Diana
Costa e Silva, Juana Pereira da Silva, Leonilde Melo e Manuel Jerónimo. Desenho
de Luz e Operação Técnica: João Rafael da Silva. Produção: Vanessa Moreira. Promotor:
Boutique da Cultura. 90 minutos
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