sexta-feira, 22 de março de 2024

Sobre o disco «Camera» de Knok Knok, Base Recordings 2024

 









O percurso de Knok Knok, esse modo musical empreendido por Armando Teixeira para se livrar das grilhetas das canções, é um caminho feliz. Um caminho agora partilhado com o percussionista Rui Rodrigues. E utilizo a palavra “felicidade” pois ela assume dois parâmetros essenciais que sustentam a fuga ao espartilho férreo da “cantiga”. Eficácia e Liberdade.

Eficácia, pois desde os temas do primeiro objecto produzido pela entidade «Knok Knok» (2017) e os do segundo, «Gravidade» (2021), a estrutura apresentada através das faixas do vinil “Camera” (também em digital) consolidam o propósito de ultrapassar o padrão melódico, rítmico, talvez de duração, imposto pelo formato cançonetista. Como se o modo Knok Knok desejasse abrir, uma a uma, as janelas de uma sala enclausurada e lhe apresentasse agora a luz solar num espaço amplo e livre.

Por isso, a palavra Liberdade. Esse desafogo atmosférico a aprofundar o lado jazzístico que sempre existiu mas, por vezes, surgia aprisionado nos dois primeiros objectos-cassete, ante o pendor rítmico da música eléctrónica, porventura um pouco mais dançável.

Como gosto de arrumar os discos não pela absurda ordem alfabética-abecedária mas pelo algoritmo da minha memória ou pela mnemónica das minhas músicas, colocaria «Camera» junto à prateleira onde guardo com carinho os discos editados pela etiqueta alemã ECM – Jan Garbarek, Jon Hassell, Terje Rypdal, Roscoe Mitchell, Nils Petter Molvaer… Perdoem-me a desorientação musical!

«Camera», uma espécie de jazz concertante, talvez mesmo a tender para o poema sinfónico. Os sete andamentos apresentam esse lado simbólico de evasão refractária onde as manobras dos sintetizadores modulares de Armando Teixeira esgrimem ou provocam as quase subliminares, embora majestáticas, arritmias da percussão e da bateria de Rui Rodrigues. Também as contundentes vibrações da guitarra acústica de Nuno Rebelo (“Black Monolith”) ou, pela abertura do lado B, a guitarra eléctrica de Tiago Castro / Acid Acid, descentrando um compasso quase militar, quase demente, na longa faixa “Escalator”.

Sem dúvida que o álbum investiga ainda uma declarada cinefilia, unindo os lados sonoro e visual do ecrã maior. A tentação de testemunhar os filmes no interior dos apelidos das faixas é um extraordinário complemento apresentado por «Camera».

No entanto, não seria tão evidente a ligação entre os lados sonoro e visual neste vinil, caso ele não estivesse coberto pelo design e pelas obras de arte primeiras de Paulo Romão Brás.

«Camera» de Knok Knok é um absoluto objecto de colecção.

Oiçam-no! Olhem-no! Agarrem-no!

(à venda na Flur, em Lisboa, ou através 

de Bandcamp - https://knokknok.bandcamp.com/)

 

jef, março 2024

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