quarta-feira, 13 de março de 2024

Sobre a peça «Girafas» de Pau Miró, 2024. Artista Unidos. Teatro da Politécnica





















Será que podemos comparar esta peça àquela outra de Tennessee Williams «Jardim Zoológico de Cristal (ou de Vidro)» não apenas pela fragilidade zoológica? Também por uma sociedade encerrada psicologicamente dentro de uma família que se consome a si própria entre demências, silêncio e tristeza em projecções de sonhos por consumar? 

Um véu encobre eternamente o desejo de futuro e a metáfora pura das girafas que é deixada para o espectador definir – animais altivos, difíceis de predar, mas psicologicamente permanecendo no dilema de serem presas prontas para serem capturadas. Ou abandonadas pelo desejo que vão calando.

Uma novíssima máquina de lavar roupa é esse futuro projectado num holograma de sedução por cima da pacata vida familiar. O vendedor quer vender, a mulher quer esse espaço de liberdade, o irmão quer evadir-se e conquistar um espaço aéreo que seja apenas seu e para a sua memória maternal, o hóspede vive na esperança de se transformar numa Edith Piaf parisiense em busca encantada do seu “Milord”. O marido insiste na falsa e medíocre noção de estabilidade centrada na sua prepotência. Um filho chegará. É obrigatório tentar de novo.

A ditadura franquista (a ditadura salazarista), os anos 50 e o pós-guerra, a depressão económica das famílias, a invasão pelo plano Marshall e pela nova tecnologia americana que chegaria para abrilhantar os lares europeus libertando as donas de casa da tirania doméstica. 

Falsa promessa. Falsa libertação. As girafas continuaram a ser predadas.


jef, janeiro 2024

«Girafas» Texto: Pau Miró. Tradução: Joana Frasão. Encenação: Nuno Gonçalo Rodrigues. Com: Eduarda Arriaga (a mulher), Gonçalo Norton (o irmão), João Vicente (o hóspede), Pedro Caeiro (o marido) e Vicente Wallenstein (o vendedor de máquinas de lavar roupa). Cenografia e Figurios: Rita Lopes Alves. Desenho de Luz: Pedro Domingos. Desenho de Som: André Pires. Produção: Artistas Unidos / Teatro da Politécnica. 90 minutos

 Teatro da Politécnica de 7 a 30 de Março de 2024

3ª a 5ª às 19h00 | 6ª às 21h00 | Sáb às 16h00 e às 21h00

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