Após
o longo genérico inicial reflectindo o tecto "botânico" que vai espelhando o deambular de
uma mulher numa loja de flores ao som da magnífica canção “Je sens tu mens”,
percebemos que Alma (Isabelle Huppert) é uma mulher diletante, rica, sem um objectivo concreto, que se passeia com uma caixa de bolos na mão para
retardar a chegada à sua mansão recheada de obras de arte de alto valor. A
cena é da actriz até nos apercermos que irá encontrar brevemente Mina (Hafsia Herzi), mulher
magrebina que trabalha sem descanso numa lavandaria, com dois filhos e que faz
muitos quilómetros para ir visitar o marido no estabelecimento prisional em
Bordéus, preso por roubar relógios. Elas estão em campo opostos da luta de
classes e da justiça. Também Alma tem o marido preso na cela ao lado mas por
razões bem diferentes.
Alguém
como eu que não esquece o filme «O Segredo de um Cuscuz» (Abdellatif Kechiche,
2007), mal Hafsia Herzi aparece no ecrã sabe que ela irá responder taco a taco à
mestria de Isabelle Huppert. Duas interpretações que nos vão prendendo de modo irremediável mas que,
ao mesmo tempo, nos fazem esquecer, aos poucos, o móbil da intriga e desvanecer
esse possível confronto social, a luta de poder e de dominação entre as
personagens.
É
impossível não comparar (com alguma desilusão) o anterior filme de Patricia
Mazuy, esse extraordinário filme de suspense, amoral, carnal, quase visceral,
de nome «Bowling Saturno» (2022).
jef,
junho 2025
«A Prisioneira de Bordéus» (La Prisonnière de Bordeaux) de Patricia Mazuy. Com Isabelle Huppert, Hafsia Herzi, Noor Elasri, Jean Guerre Souye, William Edimo, Magne-Håvard Brekke, Lionel Dray, Jana Bittnerová, Lamya Bouladiz, Céline Chlebowsky, Any Mendieta, Marianne Auzimour, Robert Plagnol. Argumento: Pierre Courrège, François Bégaudeau e Patricia Mazuy. Produção: Alice Girard e Xavier Plèche. Fotografia: Simon Beaufils. Música: Amin Bouhafa. Canção “Je sens tu mens” (Amin Bouhafa / Patricia Mazuy) cantada por Sarah McCoy. França, 2024, Cores, 108 min.