domingo, 29 de junho de 2025

Sobre o livro «Desconhecido Nesta Morada» de Kathrine Kressmann Taylor, Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, 2025 (1938). Tradução e prefácio de José Lima.



 








Uma pequena grande novela dos tempos que foram para os tempos que estão.

Uma reedição a demonstrar a perspicácia editorial dos Livros do Brasil. Uma autêntica pérola que esperemos não venha a ser de novo premonitória de odiosos tempos futuros, de regresso tenebrosamente incompreensível.

A escritora americana Kathrine Kressmann Taylor publica em 1938, dois anos depois de um certo Congresso de Nuremberga e no ano em que ocorreu a “Noite de Cristal”, a curta ficção «Desconhecido Nesta Morada» tão eficaz quanto visionária, e que nos devolve o estupor e a ansiedade do crescimento do nazismo após a grande depressão na Alemanha.

Tal como Bram Stoker em «Drácula» (1897), Kathrine Kressmann Taylor usa o modo epistolar para nos contar a história de dois amigos íntimos, sócios de uma galeria de arte em São Francisco, Martin Schulse e Max Eisenstein, quando o primeiro decide regressar à Alemanha natal nos finais de 1932.

O romance termina de modo gráfico a 18 de março de 1934. Adressat Unbekannt Desconhecido nesta morada.

Curioso o facto de eu ter lido há pouco tempo, de modo acidental, o romance de Georges Simenon «Os Três Crimes dos Meus Amigos», publicado inicialmente também em 1938, que nos coloca igualmente frente à depressão económica e política ocorrida na Europa entre as guerras.

Em «Desconhecido Nesta Morada» não existe julgamento moral superiormente omnisciente. Apenas nos podemos agarrar aos factos descritos nas cartas trocadas pelos correspondentes. Apenas, temos acesso factual ao desmoronamento de uma relação. Apenas assistimos, sem adjectivos ou advérbios de modo atenuantes, à progressiva transformação política e social de Martin Schulse e, em simultâneo, ao crescente desespero e posterior raiva distante do judeu americano Max Eisenstein.

O posfácio do filho da autora, Charles Douglas Taylor, esclarece e oferece-nos talvez uma pequena centelha de esperança no que respeita ao ódio e à violência políticas contemporâneas, ao descrever o sucesso que estas cartas têm tido a nível universal ao longo das décadas. O regresso oficial da estupidez mundial e do horror nazi pode ainda não consistir numa brutal inevitabilidade presente e futura.


jef, junho 2025

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