Pelo
que sugere, a obra de William S. Burroughs é interminada e interminável.
Digamos inconclusiva, ou intransponível igualmente. Já com «O Festim Nu – Naked Lunch»
(1991) assim parecia e o caso tinha a ver com David Cronenberg. Agora em «Queer»,
Luca Guadagnino, torna-se muito mais sério. Em três capítulos e um epílogo,
temos um longo e enfadonho caminho onde o actor Daniel Craig (William Lee), (mas
também o seu companheiro de estrada, Eugene Allerton, interpretado por Drew
Starkey), tem de fazer o supremo esforço de manter a(s) personagem(ns) em
estado de permanente desespero ébrio e tabágico, já para não falar da heroína. Tanto
a William Lee como a Eugene Allerton não lhes é permitido sair do mesmo registo
do princípio ao fim, entre o ócio negligente e a permanente procura e fuga ao
desejo sexual. Talvez mesmo as mais verdadeiras, discretas e ao mesmo tempo expressionistas
sejam mesmo as cenas de pulsão sexual. Tudo o resto parece surgir de um
conjunto de tele-discos cuja banda sonora tem a sina de retirar o espectador do
centro na sua exigida concentração cinéfila. Nirvana e New Order pelo meio de
cenários da velha cidade mexicana dos anos 50 do século passado, parece um
exagero ou mesmo, delírio anacrónico.
Por
outro lado, para colocar um espectador no meio da história não é necessário
contar-lhe tudo tim-tim por tim-tim. Nem será lícito tocar no ambiente de hotéis,
quartos e corredores, espaços, adereços, decores e cores que só David Lynch pôde alguma
vez oferecer-nos. Nem criar, entre a inteligência artificial e os efeitos especiais, cenários que são devidos ao mundo play-mobil de Wes Anderson. Ou cenários
nocturnos, entrevistos pela janela, com reflexos de néons e ansiedade, que só
se permitem exibir por Hitchcock. Terminando com um mundo alucinado de “penetrante
carnificina” entre Lee e Gen que também devia pagar crédito a David Cronenberg,
volto a citá-lo.
Tudo
para chegar à conclusão lógica de que o amor é finito e o desejo um passo talvez evitável
para a morte que pelo que consta é eterna. Já para não falar de que, afinal, a telepatia não
tem a mesma eficácia do tabaco, da tequila, da heroína e de todas as substâncias neuro-conectoras enterradas nas florestas tropicais a América do
Sul.
Um verdadeiro desperdício de actores num acto de cinema com tiques de presunção voyeurista que vem de um determinado universo “queer” auto-complacente, egocêntrico”, hiperbólico, quase mórbido.
jef,
junho 2025
«Queer» de Luca Guadagnino. Com Daniel Craig, Drew Starkey, Daan de Wit, Jason Schwartzman, Henrique Zaga, Colin Bates, Simon Rizzoni, Drew Droege, Ariel Schulman, Andra Ursuta, Lesley Manville, Lisandro Alonso, Michael Borremans. Argumento: Justin Kuritzkes segundo o romance de William S. Burroughs. Produção: Luca Guadagnino, Lorenzo Mieli, Jaun D. Bustamante. Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom. Música: Trent Reznor, Atticus Ross. Guarda-roupa: J.W. Anderson. EUA / Itália, 2024, Cores, 137 min.
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