segunda-feira, 23 de junho de 2025

Sobre o livro «Margarita e o Mestre» de Mikhail Bulgakov, Círculo de Leitores, 1991 (1928-1940). Tradução de António Pescada. Sobrecapa de José Teófilo Duarte.



 







Um romance que pode ser entendido como um ajuste de contas literário em forma de fantasia. Uma fantasia muito particular em forma de aventura ou viagem continuas, sustentada pelo tom onírico ou mesmo surrealista (já para não falar em psicanálise). Lembro-me dos textos de Nikolai Gógol, Danill Harms ou Joseph Roth. Lembro ainda aqueles que nos transportam para um mundo onde tudo nos pode deslumbrar sem darmos muito crédito às leis da física, da química e de outras matérias que governam o nosso planeta («Manuscrito Encontrado em Saragoça» de Jan Potocki, «O Homem que Era Quinta-Feira» de G. K. Chesterton ou mesmo o «Alice no País das Maravilhas» de Lewis Carroll).

Um romance escrito sob o desígnio de um irresistível humor. Talvez o melhor método iconoclasta para combater a suprema falta de liberdade artística.

Um romance como um ajuste de contas literário contra o espartilho da burocracia soviética (e de uma censura medonha) que impedia a livre criatividade agrilhoada por um sistema de regras ou uma tipologia pré-estabelecida para heróis vencedores. Escrito a dois tempos, duas partes, que se unem no momento em que Ivan Nikolaevitch “Bezdomni” se encontra numa certa noite, numa certa clínica de um certo Stravinski, com o Mestre. O Mestre que lhe narra o encantamento por Margarita, sua musa, feiticeira e companheira, e lhe descreve o extraordinário romance que redigiu sobre o arrependimento de Pôncio Pilatos perante a entrega (e a inteligência) de alguém que iria ser levado ao sacrifício político por altura da Páscoa judaica. Um tal Ieshua “Ha-Nozri”. Um texto que,  entrecortado, justifica a terceira parte de «Margarita e o Mestre».

No entanto, as páginas iniciais levam-nos ao Lago do Patriarca, em Moscovo, quando inicialmente o citado poeta Ivan se reúne com o director de uma associação literária famosa, Mikhail Alexandrovitch Berlioz, para discutir a revisão de um poema sobre o “não-Jesus”.

Contudo, dali a pouco Berlioz ficará sem cabeça.

E também surgirão, vindos da consubstanciação da atmosfera o prestidigitador, mefistofélico mas salvador, Woland que traz no séquito Azazello, Koroviev e o gato Behemot.

Um romance desconcertante, político, hiperbolicamente visual, que também nos dá a entender um certo mundo eslavo e mágico (e em tempos de Estaline). Um romance para quem não tem medo da imaginação, do diabo, de feiticeiras e de gatos que andam de transportes públicos (e pagam o seu bilhete).


jef, junho 2025

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