segunda-feira, 13 de março de 2017

Flor









Flor
Qualquer coisa mantém-se perene entre a casa e o crânio.
O córtex e o casco do navio que persiste em ficar mesmo quando se afasta da verticalidade do cais.
O cais limite da viagem, o voo amável do que nos liberta prendendo.
A presa do olhar que parte. Afinal, a horizontalidade.
O horizonte. Em meio líquido meio sólido.
Em acto de sublimação, gasoso.
O acto de amor suspenso.
No fundo da retina, a eterna perspectiva entre o modo e a razão.
A crítica e o concílio no interior da palavra que decifra a liberdade de ser o outro através de nós.
A autonomia vacilante do primeiro passo. Amparado.
O sorriso no interior do erro da primeira palavra pronunciada.
O primeiro livro dado em feira do livro perdida pela avenida dessa outra liberdade.
As férias grandes. A Caparica.
Tudo o que resta, entretanto.
O beijo. O calor da mão. A mão sobre a testa quente.
A palavra como história e o sono que cimenta.
O cimento que agrega e descongela
a laçar o tempo com um sopro lasso.
E, por fim, a vacuidade do escuro na tarde que repousa e o filme que decifra e indica o tal percurso linear, breve concluso.
A ‘Noite’ termina. Densa e silenciosa, ao final da tarde.
Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Monica Vitti, revelam a estrutura da vela, a fórmula de um futuro terminado. Alguém dormita aqui mesmo ao lado. De olhos fechados, entende por mim a estrutura do espaço ilimitado, dos prédios novos, da nova sociedade, que Antonioni sequer suspeitou. O futuro sobrevivo.
A companhia sempre, entre a solidez das sépalas dos malmequeres que na atmosfera rarefeita, enfim sublimam.

Quando acordará?

Essa flor é a minha mãe.
Maria Judite.
2 de Agosto de 1926 – 8 de Março de 2017.

jef, março 2017

2 comentários:

  1. Um beijo para ti. Um beijo para a tua mãe, minha querida amiga Judite.

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  2. Uma flor que será sempre a melhor flor que alguma vez tive... única...

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