quinta-feira, 16 de março de 2017

Sobre o filme «São Jorge» de Marco Martins, 2016


















A lei do mercado ou a arte da espera.
Jorge aguarda pelo melhor dia, pelo dia em que o mercado de trabalho lhe concederá a hipótese de ser humano. Pugilista desempregado, com o filho e a mãe de seu filho a cargo, vive em casa do pai, com os restantes… vai aguardando e mostrando os músculos para uma das múltiplas empresas de cobranças difíceis que floresceram durante os anos maus da crise.
Porém, Jorge é humano, mais do que todos os outros homens… e aguarda no interior da sua humanidade.
Marco Martins inscreve «São Jorge» na lista dos grandes filmes portugueses: «Verdes Anos» de Paulo Rocha (1963); «Belarmino» de Fernando Lopes (1964); «No Quarto da Vanda» de Pedro Costa (2000); «Sangue do Meu Sangue» de João Canijo (2011); «As Mil e Uma Noites» de Miguel Gomes (2015). Filmes que colocam a sociedade mais verdadeira no centro da estética!
Jorge (Nuno Lopes), Susana (Mariana Nunes), Nelson (David Semedo), o pai (José Raposo), estruturam um filme negro, atroz, nocturno mas, por incrível que pareça, totalmente esperançoso, por inconclusivo. A esperança está sempre contida na hipótese do novo dia que Jorge aguarda entre lágrimas. Um dia, essa manhã surgirá. Tal esperança está praticamente sobre os ombros delineados do actor Nuno Lopes. Basta reparar na única cena a luz do dia, durante a partida de futebol em que Nelson «troca de pai», onde sequer vemos o semblante do actor, apenas o perfil. Ou na cena em que Jorge se encanta sorrindo perante a volúpia fantasiosa do peixe-diabo, a branco e preto, rodopiando no aquário azul. Mais tarde, dar-lhe-á miolo de pão, às escondidas, revelando na íntegra a dimensão do seu coração.
Sem falsos adjectivos, este é um dos grandes filmes por que tanto aguardávamos em 2017. Se a lei do mercado marca os ombros de quem quer trabalho, que o cinema de Marco Martins nos venha demonstrar o lado certo da estética cinematográfica.
Aqui está a verdade sem espera do cinema maior!

jef, março 2017

«São Jorge» de Marco Martins. Com Nuno Lopes, Mariana Nunes, David Semedo, Gonçalo Waddington, Beatriz Batarda, José Raposo, Jean-Pierre Martins, Adriano Luz. Portugal, 2016, Cores, 112 min.

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