sexta-feira, 24 de março de 2017

Sobre o filme «Aquarius» de Kleber Mendonça Filho, 2016



















A vida só assenta a quem lhe sabe resistir.
«Aquarius» é um grande filme. Clara, uma enorme personagem. Sônia Braga, uma imensa actriz. Pura verdade. Sem factos alternativos!
Kleber Mendonça Filho, delicadamente, cerimoniosamente, coloca-nos em Recife, frente ao oceano, e conta-nos uma história simples, tão simples que a tomamos por nossa. A História Universal do amor e do erro humanos.
Roberto Carlos, os Queen, a mastectomia, o cocó na fralda, o desaparecimento do passado sobre a inexistência do futuro de uma sociedade que não consegue olhar de frente para Clara. Ela que sai do mar rejuvenescida e consciente do facto de que continuará a enfrentar a tal sociedade.
Aqui não há ponta de nostalgia, e o medo que o espectador vai lentamente digerindo é sustentado pela aristocracia de Clara. Ela tem medo sim, e também desejo, e a casa vai sendo ameaçada… mas ela com a dignidade mais inabalável, persiste!
A câmara aproxima-se das caras, fixa-as, e os olhares permanecem firmes. A objectiva corre sobre as personagens, os objectos domésticos ou da rua, o interior e o exterior, em movimento lento, afirmativo, contando uma história complexa a cada cena. Como faz Alfred Hitchcock ou Orson Welles ou Asghar Farhadi, reservando o suspense dentro do nosso coração.
Talvez a vida, o mundo, as cidades, sejam mesmo assim, cheias de erros, consequências, doenças, dúvidas, falcatruas, mas também de amor, música, muita música, ternura, resistência, conquista e cinema.


jef, março 2017


«Aquarius» de Kleber Mendonça-Filho. Com Sônia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humberto Carrão. Brasil, França, 2016, Cores, 142 min.

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