terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Sobre o livro «O Relatório de Brodie» de Jorge Luis Borges. Quetzal, 2013 (1970). Tradução de António Alçada Baptista.















«O exercício das letras é misterioso. Aquilo que opinamos é efémero e opto pela tese platónica da Musa e não pela de Poe, que razoou, ou fingiu razoar, que a feitura de um poema era uma operação da inteligência. Não deixa de me admirar que os clássicos professassem uma tese romântica e que um poeta romântico adiantasse uma tese clássica.»

Borges assim razoou, e contra ele próprio escreveu, no prólogo breve que antecede e apazigua, sem “esclarecer”, estes onze contos, ímpares e díspares entre si, onde a imaginação e a ignomínia colocam o leitor, direi melhor, o ouvinte, numa posição de amável ferocidade, pois quem escreve o toma por cúmplice e quase padrinho destas somíticas, por sucintas, notas da vida das palavras.

O espaço não tem espaço. Situa-se algures na grande América Latina, entre a Argentina, o Chile ou o Brasil, os pampas e os gaúchos, gente de garra e farpa, faca e sangue. Pouca fala, muito embuste. Num tempo sem tempo onde a história era ouvida e re-ouvida, alterada e acrescentada ao sabor dos pontos e dos contos por quem ia passando.

Quem lê pode nem ficar interessado em esclarecer o facto de as personagens que narram e escutam virem do limbo da pura ficção ou serem sonegadas de uma realidade tão mágica quanto cruel.

Aqui aprende-se a ler, ultrapassando a barreira da fantasia, sem alguma vez colocar em causa o princípio da beleza da prosa e o espírito breve do sonho e da tragédia.

jef, dezembro 2018

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