Quando
“lemos” os filmes de Éric Rohmer ficamos sem saber muito bem se devemos sorrir
da tragédia comum do dia-a-dia, se angustiar com a comédia de um dia-a-dia que nos
leva a um lugar não muito seguro.
Este
filme é exemplo disso.
Ficamos
ainda sem saber se é literatura o que ouvimos através dos pensamentos de Frédéric
(Bernard Verley), homem de negócios bem instalado na vida, mulher e filho
encantadores, que se satisfaz em morar nos arrabaldes de Paris, pois a concedida
viagem de comboio de St. Cloud à Gare St. Lazare dá-lhe a oportunidade de ler
um bom livro com a concentração que os jornais não lhe trazem.
Duvidamos
se não estamos a assistir a uma peça de teatro dado o tamanho rigor na marcação
das cenas, das entradas e saídas das personagens, do abrir e fechar constante
de portas, dos sorrisos velados mas ostensivos quando surge no escritório de
Frédéric uma amiga vinda de um passado que talvez ele deseje esquecer, Chloé (Zouzou),
libertária e libertadora, sem amarras ou futuros sociais e familiares,
procurando emprego, afecto amoroso e um pai para um filho que deve ter olhos
azuis tal como os de Frédéric.
Ficamos
sem saber, afinal, se a verdadeira personagem do filme não é aquela multidão de
figurantes citadinos parisienses onde Frédéric gosta de mergulhar e surfar libertando-se
das grilhetas da vida que escolheu, sedentária, segura, confortável, amigável,
amorosa, mas universalmente entediante.
Um
filme que nos prova com extremo humor, fria sabedoria e delicada estética o
erro sistemático das nossas opções.
jef,
julho 2021
«O
Amor às 3 da Tarde» (L’amour, l’après-midi) de Éric Rohmer. Com Bernard Verley,
Zouzou, Françoise Verley, Daniel Ceccaldi, Malvina Penne, Babette Ferrier, Françoise
Fabian. Argumento: Éric Rohmer segundo romance «Contos
Morais» do próprio. Produção: Pierre Cottrell, Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor
Almendros. Música: Arié Dzierlatka. Guarda-roupa: Daniel Hechter-Vog. França, 1972,
Cores, 93 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário