terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Sobre o filme «O Carteirista» de Robert Bresson, 1959
















Para entender «O Carteirista» devemos esperar pelo olhar. No olhar suspenso está escrito aquilo que não é contado no outro lado do filme.

A nota inicial que fala de um bom homem que é levado pelas vicissitudes da vida à arte do roubo e esta ao encontro com determinada jovem mulher, não é suficiente.

Nem a determinação filosófica de Michel (Martin Lasalle) sobre a superioridade do acto de certos homens: «Temos de admitir que alguns homens capazes, dotados de inteligência, talento e até mesmo génio, e indispensáveis à sociedade, em vez de estagnarem, deveriam em certos casos ser livres de desobedecer à lei».

Nem Dostoievski («Crime e Castigo»), nem Max Stirner («O Único e a Sua Propriedade»). Nem o jogo de gato e de rato que Michel promove com o inspector da polícia (Jean Pelegri).

Nem essa espécie de triângulo amoroso, surdo e compulsivo, existente entre o protagonista e Jacques (Pierre Leymarie) e Jeanne (Monika Green), terminando na cena redentora de um beijo acariciado por entre as grades da prisão. «Ó Jeanne, para chegar a ti que estranho caminho me foi dado percorrer!»

Nem o jogo fulminante das mãos dos ladrões na cena dos roubos na estação de comboios.

Nem a música de Jean-Baptiste Lully a sublinhar as cenas de certa vitória.

Para gostar de «O Carteirista» temos de seguir o tempo do olhar e das mãos e saber que nele ficará para sempre guardado, e talvez inexplicado, o princípio do destino e a vocação para o alterar.

jef, fevereiro 2018
                                                                   
«O Carteirista» (Pickpocket) de Robert Bresson. Com Martin Lasalle, Monika Green, Pierre Leymarie, Jean Pelegri, Kassagi, Pierre Etaix, Mme Scal. Música: Jean-Baptiste Lully. França, 1959, P/B, 75 min.

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